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28 DE MAIO DE 1985

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mitam-me que faça uma pequenina e breve fantasia. Compreenderão com certeza que nessa «pequenina e breve fantasia» não vou naturalmente arrastar a organização a que pertenço.

A paz, segundo penso, é um conceito definitivamente polémico. Saber de que lado é que ela está, se está do lado dos mortos, se está do lado dos vivos, já de si é polémico. Saber se ela está do lado da guerra, se está do lado do edifício social ou ocidental ou qualquer outro, também é polémico.

A única coisa de que me recordo é que normalmente a paz de uns é uma grande preocupação para outros. Lembro-me, por exemplo, da paz romana. Esta ultima, ou seja, a paz dos cidadãos romanos, era um problema para todos aqueles que foram submetidos. Por que é que os outros povos não haviam de aceitar a paz romana?

Risos.

Era uma coisa estúpida! Pois se a paz romana era o maior dom que qualquer homem, na altura, poderia alcançar, a paz romana deveria ter-se estendido a todo o planeta.

No entanto, parece-me que nem toda a gente estava de acordo com os romanos e parece que nem toda a gente queria a paz.

Os dinossauros também tinham a sua paz e, não obstante, isso provocava preocupações em muitos animais!

Risos.

O que seria de nós se os animais tivessem hoje armas! Com certeza que a nossa paz para eles não é assim tão pacífica nem tão frutuosa.

Contudo, a paz também pode ser a paz de espírito. Esta, normalmente, para mim, é a estagnação. As pessoas que estão em paz de espírito são os homens acabados. Não percebo como isso é possível quando o homem, por natureza, é um ser inconformado, incon-formista, lutador, expansivo, imperialista, que, antes de tudo, tem de buscar um espaço de afirmação, de o resguardar, de o preservar e de o aumentar e vive, ao fim e ao cabo, numa luta terrível pela morte. Enfim, temos de considerar que a paz para o homem deve ser, antes de mais, um paradoxo de difícil solução, porque nós aqui lutamos pela paz e, pessoalmente, eu seria estúpido se dissesse que não gosto de viver em paz.

Contudo, o viver em paz para mim tem uma conotação um pouco diferente: eu, em minha casa, também tenho facas e, de vez em quando, também mato uns coelhos, embora os não coma porque não gosto! ...

O Sr. Carlos Máguel Coelho [Comissão de Juventude da Assembleia da República (PSD)]:—Essa é uma afirmação pouco feliz! ...

O Orador: — Eu gosto muito da família! ... Ris.os.

Enfim, se devergimos nas metodologias para a paz, julgo que poderíamos encontrar algumas respostas se tivéssemos mais atenção a toda a história. Lembra-mo-nos da paz quando estamos em guerra e desta quando estamos em paz. Parece-me que fomentar o

efeito contrário lembrando-nos de uma das partes às vezes não é uma má ideia. Isto é, se queremos a paz, façamos a guerra e com esta se alcança a paz.

No entanto, se, durante muito tempo, guerrearmos a paz com certeza que também teremos um bom clima de guerra e, nesta dualidade, nesta dicotomia entre paz e guerra, vamos vivendo e morrendo.

Julgo que a história é diversificada e curiosa e não é pelo facto de sermos muito amantes da paz e da guerra que a vamos deixar de viver.

Em todo o caso — e já agora é só mais uma ligeira incursão na questão da paz — queria abordar a questão da defesa, não da defesa nacional mas da defesa em si. Já, há pouco, disse que o homem era um ser que precisava de se afirmar num espaço físico. Tal como a lei da natureza assim o impõe, os mais fracos juntam-se aos mais fortes e isso tem contrapartidas. Portugal também se junta à Aliança Atlântica, pois somos mais fracos, há quem seja mais forte. Isto não é um bem nem um mal, mas antes uma situação em que as pessoas têm de escolher dentro das leis da sobrevivência e do bom senso.

No entanto, acima de tudo, penso que é inegável que qualquer comunidade precisa de se defender e quanto mais fraca é mais necessidade tem de se defender. Uma comunidade não é por estar armada até aos dentes que é forte; ela é poderosa quando tem um território bem delimitado pela sua cultura, quando as instituições sociais funcionam plenamente, quando os homens se entendem e se desentendem, quando os homens lutam e são dinâmicos.

Normalmente as sociedades têm mais necessidade de defesa quando as instituições não funcionam, quando a cultura não vence, quando o território não se identifica com nada, quando eles precisam de «pôr a mão» naquilo que ninguém aceita que lhes pertença.

Julgo que Israel é bem um exemplo de um espaço que precisa de ser defendido por algumas destas razões.

Gostaria apenas de vos deixar esta questão para reflectirem, já que não vou dar nenhuma resposta: o que diremos do nosso país? O que diremos deste pequeno rectângulo a que pertence uma variedade e diversidade de folclore a que normalmente estão subjacentes culturas diversas? Quais serão as nossas necessidades de defesa nesta unidade nacional, nesta cultura portuguesa, neste território, em que nem sempre as instituições funcionam? Por um lado, de defesa externa, face ao mundo que está à nossa volta, face à Espanha, por exemplo, em termos de fronteira, face à ameaça dos blocos, e, por outro, quais serão as nossas necessidades de defesa interna?

Perguntaria ainda se nos tempos de hoje a defesa é sobretudo militar. Como ontem aqui tanto se disse lutar-se por uma economia saudável não é lutar pela defesa nacional? Lutar pelo melhoramento das condições de vida, pela condição dos homens, não será também, mais do que um acto de defesa passiva, lutar pela defesa da comunidade e do interesse nacional?

Vou concluir, dizendo o seguinte: de certa forma, poderia ter dado a impressão de que estou absolutamente conformado com esta natureza humana, com a natureza do homem que tanto é racional como é irracional, do homem que tanto consegue pensar seriamente e sem se excitar, como do homem que se excita, como aquele que fisicamente se manifesta da forma mais exuberante e daquele que comete o excesso e o erro.