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13 DE NOVEMBRO DE 1985

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reconhecem ser intoleravelmente complicado e difícil, favorece com inúmeras isenções, reduções e deduções os contribuintes mais poderosos, propicia abusos e desmandos da administração fiscal e deixa indefesos os que não gozem de favores do governo de cada dia. Não por acaso, faltam entre nós mecanismos para uniformizar critérios de apreciação e coordenar a intervenção das várias instâncias de decisão dentro de prazos razoáveis e iguais para todos ...

Os benefícios fiscais, que constitucionalmente devem ser criados pela Assembleia da República, têm sido aprovados avulsamente ou em bloco, através de pacotes de autorizações legislativas incluídas no Orçamento do Estado sem especificação do sentido, verdadeiros cheques em branco que o Governo preenche livremente, prevendo, sem exacta delimitação, benesses, que depois distribui sem controle.

A distorção é ainda agravada pela quase inextricável floresta de despachos, circulares e instruções que são lei de facto na administração fiscal e que, proliferando às centenas, adaptam, suspendem, em domínios em que a AR detém competência exclusiva!!!

Quanto se gasta com tudo isto? Quem beneficia e quem fica arredado? Em rigor, não se sabe ...

Pesem embora as propostas nesse sentido apresentadas por muitos sectores (e formalizadas pelo PCP em cada debate orçamental), não foram adoptadas até à data medidas que permitam quantificar todas as receitas da vasta gama de contribuições e impostos que deixara de ser cobrados pelo Estado por força da concessão de benefícios fiscais de natureza temporária.

2.2 — Se, porém, se perguntar como são concedidos os benefícios financeiros, quem deles beneficia afinal, com que controle administrativo e fiscalização jurisdicional e politica da sua legalidade e eficácia, a resposta decorrente do exame da legislação vigente (quando existe!) revelará bem a inadiável urgência de uma reforma moralizadora.

a) Constando, com demasiada frequência, de meras portarias ministeriais ou até de simples despachos, a exposição dos princípios e regras de muitos dos esquemas de apoio financeiro em vigor surge recheada de indefinições, aspectos obscuros e lacunas. Definem-se trâmites sobretudo para dispensar formalidades e controles. Disposições discretamente incluídas nos preceitos finais relegam usualmente para ulterior despacho de um secretário de Estado «a interpretação de dúvidas e a integração de lacunas do presente diploma» e liberalizam a delegação e subdelegação dos poderes de decisão conferidos ou remetem para uma regulamentação «através dos instrumentos normativos julgados mais adequados». Não raro, admite-se a pura e simples não aplicação dos regimes gerais e autoriza-se a livre decisão casuística «em situações particularmente graves», cuja identificação é deixada inteiramente ao arbítrio da entidade concedente...

Por outro lado, a proliferação e sobreposição de esquemas em vigor propicia inextricáveis dificuldades (c facilidades!) de aplicação, não faltando mesmo diplomas que, a esse título, expressamente põem nas mãos de um membro do Governo o poder de, como entenda, negar ou conceder a título excepcional (de que é único intérprete) a acumulação de benefícios,

sem que se acautele sequer a igualdade de tratamento e a não discriminação.

b) Fiscalização específica pelo Tribunal de Contas: não existe! Nenhuma dúvida haverá de que o País tem o direito de saber se os benefícios concedidos o foram nos termos da lei e se tiveram a eficácia pretendida. Não é seriamente questionável, por outro lado, a necessidade de que tal processo seja fiscalizado por uma entidade independente da Administração (entre nós o Tribunal de Contas). Ê a solução adequada, nos termos constitucionais, e recomendada internacionalmente, constante da chamada Declaração de Lima, aprovada pelo IX Congresso do INTOSAI em 1977, e das conclusões do VII Congresso Latino-Americano de Entidades Fiscalizadoras Superiores, realizado em Brasília, em Outubro de 1984. É também o que tem sido reclamado com inteira razão pelo Tribunal de Contas, cujo presidente vem de há muito alertando para a urgência de uma reforma (não bastará já a sempre anunciada reorganização!) que impeça que o Tribunal (com juízes recrutados apenas entre licenciados em Direito, com serviços de apoio insuficientes, com competências reduzidas) venha a ser relegado em breve ao papel de uma relíquia histórica, enquanto alastram os incentivos à margem da lei, as distorções dos seus fins e a galoinagem (cf. conselheiro João de Deus Pinheiro Farinha, «A função do Tribunal de Contas na sociadade democrática», Boletim Trimestral do Tribunal de Contas, n.° 19, Setembro de 1984, pp. 9-23, e «Incentivos fiscais e seu controle pelo Tribunal de Contas, ob cit., n.ü 21, Março del985, pp. 11-13).

Ê sintomático que a legislação vigente tenha como ponto de honra e objectivo fulcral o de afastar qualquer intervenção do Tribunal de Contas no processo relativo aos benefícios financeiros. Em nome de supostos imperativos de «celeridade» e «desburocratização», o sistema vigente não tem visivelmente propiciado, por exemplo, aos pequenos e médios empresários o apoio célere de que bem precisam, mas, em contrapartida, sabe-se como tem permitido conceder subsídios a empresas inexistentes, ou favorecer entidades que os desviam e malbaratam, ou recompensar gente a quem faltam os requisitos da lei, mas sobejam os da amizade política, quando não pessoal...

c) Expressamente afastada a fiscalização jurisdicional adequada, falta, em geral, aos processos o devido controle administrativo. O caso paradigmático da atribuição de subsídios a empresas pela Secretaria de Estado do Emprego sob a égide de Rui Amaral ilustra bem até que ponto pode ir a violação das mais elementares regras de legalidade, transparência e moralidade na gestão de dinheiros públicos.

A marginalização de órgãos existentes e a criação de estruturas paralelas inçadas de agentes (principescamente pagos!) de alguns dos interessados na obtenção dos benefícios, a concessão de subsídios avultados com violação de formalidades essenciais na gestão de verbas orçamentais, inadequação dos meios de fiscalização e o efectivo impedimento do funcionamento dos existentes, a obstrução ao acompanhamento dos processos pelas organizações representativas dos trabalhadores, as campanhas de intimidação e chantagem sobre os que ousam criticar o arbítrio instituído (mesmo quando as primeiras detenções pela Polícia Judiciária vêm confirmar factos sistematicamente desmentidos pelas