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II SÉRIE — NÚMERO 2

instâncias oficiais), eis o que bem chega para condenar legalmente o sistema que ano após ano vem propiciando tais abusos, deixando à polícia e aos tribunais o sancionamento dos responsáveis, que constitui igualmente um factor moralizador.

Não pode deixar de sublinhar-se, no entanto, que o maior obstáculo a uma política de disciplina, moralização e controle democrático da concessão de benefícios financeiros têm sido os governos responsáveis pelo quadro legal vigente e pela inclusão de um sem número de «sacos azuis» no Orçamento do Estado e outros insrumentos para a concessão de benesses, a anunciar e distribuir de acordo com interesses político-partidários e com os mapas e calendários eleitorais. Um ex-líder do PSD e então vice--primeiro-ministro não hesitou em reconhecer publicamente que «a burocracia nesta matéria é asfixiante e funciona, quer queiramos, quer não, através das cunhas» (Rui Machete na AIP, CM, de 3 de Maio de 1985), afirmação que, significativamente, omite o papel decisivo da vontade governamental nas distorções e ilegalidades existentes, descarregando-as (artifício conhecido!) sobre a «burocracia asfixiante», afinal mantida pelos governos, quando não mesmo criada para asfixiar uns e oxigenar uns poucos, como o prova o conhecido e já citado caso da Secretaria de Estado do Emprego.

Torna-se, pois, necessário reforçar as garantias da legalidade da administração económica e dos direitos dos cidadãos e das empresas, por forma a assegurar o tratamento igual de situações idênticas, sem outras diferenciações que não as estritamente fundadas em reais diferenças e com exclusão de quaisquer considerações alheias aos interesses protegidos pela Constituição e pela lei.

3 — Foi, precisamente, por estas razões e com estes objectivos que o PCP apresentou em 27 de Maio de 1985 o projecto de lei n.° 514/111. É essa iniciativa que agora se renova, reafirmando os seus fundamentos e soluções.

Não tendo na altura obtido aprovação o processo de urgência que foi solicitado (e tudo justificava que houvesse sido concedido), a verdade é que o conteúdo e objectivos do projecto de lei do PCP mereceram, na sua generalidade, o apoio, quer da Comissão de Economia, Finanças e Plano (Diário da Assembleia da República, 2." série, n.° 108, de 3 de Julho de 1985), quer de diversos grupos parlamentares, que expressamente reconheceram a sua «importância», «utilidade» c «virtualidades» (Diário da Assembleia da República, 1.a série, n.° 103, de 6 de Julho de 1985).

Encetada nova legislatura, o Grupo Parlamentar do PCP considera redobradamente urgente a discussão e aprovação deste projecto de lei, de modo a que o enquadramento da concessão de subsídios, subvenções e outros benefícios financeiros possa produzir efeitos já no próximo ano orçamental de 1986.

Pretendendo estabelecer com força de lei os princípios e regras básicas a que devem obedecer os diplomas que regulem a concessão de quaisquer subsídios, subvenções e outros benefícios financeiros, a iniciativa do PCP, agora renovada, consiste largamente em soluções tendentes a esclarecer, sem margem para mais dúvidas, alguns aspectos que, decorrendo já da lei, permanecem demasiado obscuros.

Não se deixa, porém, de apresentar um certo número de inovações. Quanto a estas, haverá que assina-

lar, no entanto, que só entre nós constituirão coisa nova. O problema, universalmente decorrente das novas formas de intervenção do Estado na economia, tem conduzido à generalização e multiplicação de meios e mecanismos de controle da isenção e imparcialidade da Administração Pública, com vista a assegurar a sua subordinação a fins de interesse público devidamente delimitados e sancionados pelos órgãos de soberania (e mesmo internacionais) competentes. Verifica-se, porém, que, desses mecanismos, alguns estão expressamente afastados na ordem jurídica portuguesa e outros consagrados na letra da lei e bloqueados na prática (caso do controle pelos tribunais administrativos do desvio de poder da concessão de benefícios). Dependendo este segundo aspecto sobretudo de providências organizativas e financeiras, o projecto de lei visa, essencialmente, a eliminação de obstáculos legais que vêm impedindo o real controle do exercício dos poderes jurídicos discricionários da Administração.

a) Deliberadamente, abrangeu-se apenas a concessão de subsídios e outros benefícios financeiros por entidades do sector público administrativo. Deixou-se de lado a actividade desenvolvida pela banca e outras instituições do chamado sector empresarial do Estado, cujo quadro de funcionamento não dispensa moralização e transparência, mas exige meios distintos, adequados à sua natureza e fins próprios.

b) Por outro lado, visa-se especialmente o controle do exercício dos poderes discricionários da Administração na esfera económica e fiscal e das obras públicas e os mecanismos estabelecidos não se aplicam aos benefícios que resultem de direitos constituídos ou cuja concessão seja automática nos termos da lei. Estão especialmente desenhados em função dos que tenham finalidade económica, não porque aos demais não sejam aplicáveis certas regras agora enunciadas (como a obrigação de fundamentação, que faz parte do direito administrativo comum em Portugal), mas porque são particularmente gritantes as carências sentidas quanto ao controle do exercício dos poderes jurídicos discricionários da administração económica e de obras públicas.

c) Da vasta gama de benefícios financeiros existentes, tanto de natureza positiva como negativa, são objecto de regulamentação unicamente os que, obedecendo aos requisitos atrás referidos, sc configurem, por um lado, como prestações pecuniárias não reembolsáveis (total ou parcialmente) ou reembolsáveis sem existência de juro ou com juro reduzido ou então como isenções, reduções de taxa ou deduções de carácter fiscal ou parafiscal. Entendeu-se, crê-se que justificadamente, deverem ser regulados noutra sede tanto o regime jurídico dos avales (bem carecido de revisão que garanta a legalidade e o mérito económico e financeiro das operações avalizadas e impeça o endividamento indiscriminado do Estado) como os múltiplos regimes de concessão de facilidades no cumprimento de obrigações legais e convencionais (que proliferam sem critério nem arrimo, exigindo providências que transcendem em muito o âmbito possíve! do projecto agora apresentado).

d) O quadro traçado assenta em preocupações de certeza, segurança e transparência, mas não subalterniza, antes acautela, imperativos de celeridade, que podem legitimar a dispensa de certas formalidades.