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21 DE MAIO DE 1986

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Por outro lado, as actividades de segurança interna, sem lei que globalmente as enquadre 2 discipline, poderiam resvalar com facilidade para arbítrios e excessos que, por serem contrários a valores jurídicos e democráticos elementares, também fomentariam, quiçá sobretudo eles, o descrédito do regime político vigente.

4 — Apesar do esforço legislativo levado a cabo depois do 25 de Abril no sentido da reorganização democrática das forças e serviços policiais, a verdade é que falta ainda no edifício normativo do Estado uma lei que estruture os meios institucionais, humanos e materiais indispensáveis à segurança interna, estabeleça o regime de coordenação e cooperação das forças e serviços dela incumbidos, defina claramente as competências e as responsabilidades dos membros do Governo na adopção e condução da política de segurança interna e fixe as formas de acção utilizáveis pelas autoridade competentes no domínio em causa.

A urgência no suprimento desta lacuna do nosso sistema jurídico é tanto maior quanto é certo que, também entre nós, infelizmente, h semelhança do que ocorre nas demais sociedades abertas do Ocidente, os agressores ou perturbadores dos fins c valores protegidos pela segurança interna dispõem hoje de meios de acção e dc métodos de organização que desafiam com alpum êxWo a normal capacidade de respostn do próprio Estado.

Neste contexto seria grave, do ponto de vista do interesse geral, a omissão do dever fundamental de dotar a República de uma lei de segurança interna que clarifique e defina, em termos gerais, o quadro normativo de uma actividade especialmente relevante, quer para os direitos fundamentais dos cidadãos, quer para os outros bens jurídicos de importância fundamental ao normal desenvolvimento da vida em comunidade.

5 — Consciente da situação da segurança interna no País e das delicadezas da regulamentação de uma tal matéria, o Governo elaborou a presente proposta de lei com vista a colmatar com realismo a grave lacuna existente em matéria de segurança interna.

Como já se referiu, na elaboração da presente proposta tomou-se por base a proposta de lei n.° 71/ííl, que a Assembleia da República chegou a aprovar na generalidade. De todo o modo, o Governo ponderou criteriosamente as posições assumidas no decurso do debate parlamentar da proposta e efectuou uma nova reflexão sobre as finalidades a prosseguir através da actividade de segurança interna e sobre os meios e medidas a utilizar na prossecução de tais finalidades.

Em consequência disso foram introduzidas na presente proposta de lei alterações importantes em relação à que pelo IX Governo foi apresentada à Assembleia da República.

Entre as alterações introduzidas cumpre destacar: eliminaram-se todas as referências à protecção civil; definiu-se com rigor o âmbito da segurança interna (artigo 1.°); enunciaram-se os princípios fundamentais da segurança interna que se encontram, explícita ou implicitamente, acolhidos no texto constitucional (artigo 2.°); alargou-se o âmbito territorial da actividade de segurança interna, tendo em conta a circunstância de Portugal possuir fronteiras marítimas (artigo 4.°); restringiram-se os deveres gerais e especiais de colaboração dos cidadãos e autoridades públicas com as autoridades de segurança interna, com o fundamento de que o Estado democrático não pode cair

na tentação de funcionalizar por completo as pessoas e as instituições sociais com vista à realização dos seus fins, por mais legítimos que estes sejam (artigo 5.°); simplificaram-se, clarificando-as, as regras da repartição de competências entre o Conselho de Ministros, o Pri-meiro-Ministro, os ministros e o Ministro da Administração Interna (artigos 7.° a 10."); precisaram-se as funções do Conselho Superior de Segurança Interna e do Gabinete Coordenador de Segurança (artigos 11,° a 13.°); fixaram-se com maior rigor os tipos de medidas de polícia da competência das autoridades de segurança interna (artigo 16.°); previu-se o processo de identificação das pessoas perante as autoridades policiais (artigo 17.°); estabeleceram-se não só pressupostos extremamente rigorosos como um mecanismo de responsabilidade claro para a medida especial de processo penal traduzida no controle das comunicações de e para os suspeitos (artigo 18.°), já prevista na proposta de lei anterior.

6 — Não desconhece o Governo a discussão suscitada na Assembleia da República, durante a discussão da proposta de lei do governo anterior, a propósito da constitucionalidade da medida especial de processo penal prevista no artigo 18." da presente proposta.

Reformulando embora os seus pressupostos e o respectivo processo de aplicação em termos de a transformar numa típica medida de estado de necessidade, o Governo entendeu mantê-la na presente proposta. É que ela é, segundo ensina a experiência dos Estados democráticos da Europa, uma medida absolutamente necessária ao êxito do combate às formas mais violentas e chocantes da criminalidade nos nossos dias. Sendo assim, sem lançar mão de tal medida, as autoridades de segurança poderão ser incapazes de garantir de facto, nas situações mais graves e dramáticas, a salvaguarda dos valores e interesses que lhes incumbe proteger a todo o custo.

Atente-se, por outro lado, que, se a necessidade faz lei (salus populi suprema lex est), poderá chegar-se à situação de ter de se usar uma tal medida por causa da salvação dos valores constitucionais mais elementares, e uma tal eventualidade, ocorrendo à margem de uma rigorosa previsão e regulamentação legal, contenderá com as formas essenciais do Estado de direito democrático. Só por si, esta consideração justificará, pois, uma norma legal como a que o Governo volta a propor no artigo 18.° da presente proposta.

De resto, o Governo pensa que, em situações de urgência insuperável e perante o risco iminente de crimes particularmente graves, o controle das comunicações de e para os suspeitos decretado por um ministro politicamente responsável perante o Primeiro-Ministro e, mediatamente, perante a Assembleia da República é uma medida de processo penal conforme à Constituição, considerando nomeadamente o principio do estado de necessidade repetidas vezes aflorado no articulado do texto constitucional (v. g. artigo 19." e n.° 2 do artigo 272.°).

É que o funcionamento regular das instituições democráticas e o respeito pelos direitos e liberdades das vítimas iminentes de crimes especialmente graves não podem compadecer-se com uma leitura formalista, descontínua ou ponrualista dos singulares artigos da Constituição. Pelo contrário, o respeito efectivo por esses valores fundamentais exige leituras de sentido mais substancialista e global por meio das quais sejam