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11 DE NOVEMBRO DE 1987

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2.° Qualquer dos dois tipos de medidas postas em causa — suspensão e cancelamento da inscrição como técnico de contas — limita ou condiciona um dos «direitos, liberdades e garantias» constitucionalmente consagrados: o de livre escola da profissão, previsto no artigo 47.°, n.° 1 da lei fundamental. E tais actos não deixam, reflexamente, de incidir também no direito ao bom nome e reputação, na medida em que, além do seu averbamento no correspondente registo, a lei vigente (Portaria n.° 420/76, de 14 de Julho, artigo 12.°) prescreve ainda a sua publicação, no Diário da República.

3.° — I — Suspensão da inscrição. — No que concerne à suspensão da inscrição dos técnicos de contas, esta, tanto no caso do artigo 130.° do CIT, como no do artigo 160.° do CCI decorre, automaticamente, da mera «instauração do procedimento» para eventual aplicação de multas, as empresas para as quais aqueles trabalham, relativas à violação das regras de contabilidade com incidência fiscal a que as mesmas estão obrigadas.

4.° Afigura-se que esta medida ofende um princípio geral de direito sancionatório ou punitivo, reflectido no artigo 3.°, n.° 4, da Constituição.

5.° Parece, com efeito, legítimo aplicar, supletivamente, quer ao processo disciplinar, quer a outros processos de tipo punitivo, como o presente, as regras estabelecidas na Constituição para o procedimento criminal, enquanto processos de natureza sancionatória. É que é nas normas jurídicas relativas às penas e ao processo criminal (incluídas aquelas a que foi conferida dignidade constitucional) que se encontram expressamente consagrados os princípios adequados, num Estado de direito, a quaisquer procedimentos sancionatórios ou punitivos — designadamente no que concerne às garantias de defesa e à protecção, em geral, dos arguidos.

Isto explica-se, naturalmente, pelo mais longo e profundo tratamento de que, por parte da doutrina e da jurisprudência, o sector do direito criminal tem sido objecto. Mas tais normas não constituirão senão a precipitação ou explicitação dos princípios gerais adequados, num Estado de direito — e, desde logo na sua lei fundamental —, a qualquer processo sancionatório.

Neste sentido se pronunciaram já, de resto, o Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 28 de Janeiro de 1982, in Acórdãos Doutrinais, n.° 252, pp. 1475 e segs.) e o Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (parecer n.° 188/80, in Diário da República, 2." série, n.° 200, de 1 de Setembro de 1981).

6.° Ora o n.° 4 do artigo 30.° da Constituição dispõe que «nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos».

E, se assim é no que concerne ao efeito de qualquer pena, por maioria de razão a mesma proibição constitucional deverá valer para a eficácia da mera «instauração de procedimento» de transgressão, como nos casos em análise.

Nem se diga, para rebater este raciocínio, que os preceitos em discussão não estabelecem a «perda» do direito de livre escolha e exercício da profissão, mas apenas a sua «suspensão».

Esta, de qualquer modo, sempre corresponde à sua «perda» temporária: durante a subsistência da suspensão (i. e., na pendência do processo de multa), o téc-

nico de contas sofre uma efectiva inibição do exercício dos direitos decorrentes da inscrição, inibição essa que nem poderá ser realmente reparada, se, a final, não se verificar condenação.

E isto, note-se, já sem falar dos efeitos, também irreversíveis, na reputação profissional do técnico de contas, do facto da publicação da suspensão no Diário da República (mesmo que posteriormente não seguida de condenação e cancelamento).

7.° Outro princípio geral adequado a todos os procedimentos punitivos, e reflectido nas regras constitucionais concernentes ao processo criminal, é o da presunção de inocência do arguido até condenação final (artigo 32.°, n.° 2).

Ora, também esse princípio surge contraditado pelos artigos 130." e 160.°, respectivamente do CIT e do CCI.

Nestes, o legislador como que presume, ao invés, a culpabilidade do técnico de contas: e por isso ordena que a sua inscrição seja forçosamente suspensa pelo simples facto da instauração de processo de transgressão contra a empresa processo que bem pode culminar pela absolvição desta.

8.° Tem-se entendido, por outro lado, que um dos princípios típicos de um Estado de direito, no que respeita a ventuais limitações aos direitos fundamentais, é o da proporcionalidade — ou, seja, o de que tais restrições devem ser adequadas aos fins a atingir, não implicando sacrifícios desses direitos que ultrapassassem, por forma desmedida, em gravidade ou extensão, os seus próprios objectivos.

9.° Das modalidades ou formulações possíveis deste princípio, o nosso legislador constitucional terá escolhido, aliás, a mais restritiva e exigente: a da regra da necessidade.

De facto, o artigo 18.°, n.° 2, da Constituição estabelece que as restrições aos «direitos, liberdades e garantias» devem «limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».

É por essa razão, p. e., que a legislação referente a medidas preventivas no âmbito do processo penal e do disciplinar prescreve que, respectivamente, a prisão ou a suspensão preventiva do arguido só podem ter lugar em certos tipos de situações, e desde que, no caso concreto, isso se revele necessário para a salvaguarda dos interesses colectivos mais relevantes que esses procedimentos têm em vista alcançar.

10.° Pelo contrário, a suspensão de inscrição agora em apreciação apresenta-se como uma medida abstracta, «cega», automática e imediatamente aplicada pelo mero facto da instauração de procedimento de transgressão.

Não pressupõe, pois, qualquer juízo sobre a adequação de tal medida aos circunstancialismos de cada caso concreto, face às finalidades a conseguir através do processo.

Ao estabelecê-la nesses termos, o legislador aceitou (e ordenou) implicitamente a sua aplicação mesmo nos casos em que ela se mostre desproporcionada ou até desnecessária — e sem qualquer ponderação, sequer, da eventualidade de o processo poder vir a findar numa absolvição.

11.° — II — Cancelamento da inscrição. — Os artigos 131.° do CIT e 161.° do CCI conferem ao Ministro das Finanças e do Plano o poder de cancelar a ins-