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II SÉRIE-A — NÚMERO 21

No entanto, foram mais recentemente as declarações públicas do ex-Secretário de Estado Americano George Schultz, no dia 7 de Outubro de 1989, ao voltar a leccionar na Stanford Business School, que relançaram mundialmente a questão da total falência da politica proibicionista. «It seems to me that the conceptual base of drug prohibition is flawed», foram exactamente as suas palavras (cf. The Drug Policy Letter, vol. i, n.° 5, Nov./Dec. 1989, p. 3). .

3 — Acontece, com efeito, que não só a política proibicionista se revelou um total fracasso para reprimir o tráfico e o consumo de drogas mas, antes, tem vários efeitos perversos.

Desde logo, a proibição é a aliada objectiva do tráfico, porque levou à criação de um monopólio criminoso de distribuição de estupefacientes. É que, sendo a droga uma mercadoria, ela obedece a bem conhecidas regras de oferta e procura. Agindo apenas do lado da oferta, pela sua repressão, a política proibicionista fomenta um tráfico criminoso de alto valor.

Mas ela conduz também a um aumento considerável da criminalidade e da delinquência, que lhe estão associadas, na medida em que a dependência económica de certos toxicómanos os obriga, para financiar as suas necessidades, a cometer agressões contra pessoas e bens: roubos de auto-rádios, assaltos à mão armada, sequestros, assassinatos.

Por outro lado, o próprio funcionamento da justiça e da polícia é afectado, na medida em que os fracos resultados obtidos na repressão do tráfico e do consumo, sempre crescentes, levam a aumentar a severidade das medidas contra os utilizadores e traficantes, criando uma verdadeira paranóia repressiva, que põe em causa direitos e liberdades fundamentais, e é até de constitucionalidade duvidosa.

Isto para não referir os aspectos perversos da proibição no plano sanitário, aumentando a perigosidade do consumo das drogas, que diminuem de qualidade e são consumidas sem qualquer critério, fomentando a utilização das drogas «duras», mais facilmente transportáveis e mais rentáveis e conduzindo a práticas sanitárias desastrosas, como a troca de seringas, que estão na origem da propagação de doenças infecciosas, como a hepatite e a sida.

Outros aspectos, embora laterais mas não menos relevantes, são o custo exorbitante da repressão, a corrupção das autoridades pelos traficantes, a aplicação discriminatória das sanções em função da posição social dos consumidores e, enfim, até o montante que a colectividade deixa de beneficiar em taxas e impostos que não são cobrados nesta actividade, que é essencialmente económica.

Como consequência da política proibicionista assistiu--se, assim, em todos os países ocidentais:

a) A um aumento enorme dos consumidores episódicos e habituais da heroína e da cocaína;

b) Ao crescimento exponencial das mortes pelo abuso da mesmas substâncias;

c) À difusão sem precedentes da violência e da ilegalidade como consequência da necessidade de os consumidores habituais arranjarem dinheiro;

d) Ao desenvolvimento do mais potente e refinado império organizado de crime à escala internacional, com uma acumulação de lucros financeiros sem par e com capacidade para corromper e sujeitar homens e Estados inteiros.

4 — Sendo uma mercadoria, a droga, porém, não é uma mercadoria como qualquer outra. Não se perfilham, assim, as teses liberais ou libertárias de um Ti-mothy Leary, de um Zonberg, de um Szasz, ou mesmo do padre Hulsman.

Há, ao contrário, várias experiências conseguidas de sistemas de distribuição controlada, como a do álcool em Gutemburgo ou de Mendés-France, em 1954, a do ópio, como resultou da Convenção de Banguecoque de 1931, ou da heroína em Inglaterra, tal como saiu do Dangerous Act de 1967, após parecer da Comissão Brain, os quais, aperfeiçoados, são susceptíveis de uma aplicação generalizada e de grande eficácia no combate à droga.

Adere-se, pois, à «teoria do comércio passivo» formulada por Francis Caballero (in Droit de la Drogue, Daloz, 1989, pp. 126 e segs.), segundo o qual «o comércio passivo é um comércio privado de certos atributos do comércio activo e funcionando segundo regras especialmente adaptadas à perigosidade das drogas», com vista, fundamentalmente, a «suprimir as regras que no comércio moderno constituem um encorajamento à produção, à venda e ao consumo» (loc. cit., pp. 127 e 128).

Assenta esta teoria nos seguintes princípios fundamentais:

a) Criação de um monopólio estatal para a produção, importação e distribuição de certo tipo de drogas;

b) Restrições à liberdade do comércio e indústria ligados às drogas, designadamente ao nível da fixação de preços e da proibição de qualquer forma de publicidade;

c) Informação activa dos consumidores quanto aos perigos do consumo de qualquer droga;

d) Pesadas taxas em todas as drogas, proporcionais ao seu perigo;

e) Violenta repressão de todo o comércio e consumo ilícitos.

Em suma, uso reservado, proibição do incitamento ao consumo, produção e distribuição estreitamente controladas e pesada punição para todo o comércio e consumo ilícitos são os princípios fundamentais de que se inspira a teoria que está na base do presente projecto.

5 — Inserindo-se no âmbito do debate internacional que hoje, por toda a parte, se está relançando sobre a dicotomia proibicionismo/antiproibicionismo, o presente projecto de lei toma claramente partido pelo segundo e assenta a sua regulamentação nos seguintes pontos fundamentais:

Regulamentação legal de todas as substâncias psi-coactivas;

Reclassificação das substâncias psicoactivas, com inclusão nas últimas três tabelas, em ordem decrescente do risco e da perigosidade, dos álcoois com graduação superior a 20°, dos tabacos e da Cannabis indica;

Sujeição da heroína e da cocaína a regime de monopólio do Estado;

Taxação desincentivante relativamente ao uso de qualquer droga, por tal forma que resulte um preço de venda ao público progressivamente relacionado com os riscos do consumo;

Proibição de qualquer espécie de propaganda publicitária das drogas e a obrigação de publicitar,