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II SÉRIE-A — NÚMERO 4

4 — Mas a liberalização praticamente total que o teor da proposta visa legitimar não assegura e não realiza os referidos objectivos, quer pelo esvaziamento do papel das empresas constituídas e especialmente organizadas para a execução da operação portuária — a quem são reconhecidas apenas áreas residuais de intervenção — quer pela irresponsável abertura que se intenta dar ao desempenho de funções na movimentação de cargas por parte de pessoal não qualificado, nem profissionalmente preparado para a execução das respectivas operações.

A declarada intenção de se reconhecer aos titulares de direitos de uso privativo de parcelas do domínio público, de concessões de exploração do domínio público e de concessões de serviço público ou de obras públicas na área portuária uma liberdade total de exercício das operações de movimentação de cargas e, bem assim, de outras actividades conexas constituiria, se porventura viesse a ser aprovada legislação nesse sentido, um estímulo e um convite à generalização de espaços e serviços concessionados, daí decorrendo prejuízos e inconvenientes de diversa natureza, quer para o funcionamento do porto que não pode dispensar um regime de organização integrada, quer para o interesse público.

E, se bem se observar, a proposta nem sequer restringe a utilização de tais direitos de uso privativo ou de concessão de exploração ou de serviços às cargas ou às actividades directamente relacionadas com o objecto da concessão ou com o título legitimados do uso de determinados espaços privativos, pelo que seria lícito a quaisquer entidades realizar ou executar todas e quaisquer operações de movimentação de cargas, nomeadamente para terceiros ou por parte de terceiros que aí quisessem levá-las a efeito.

5 — Por outro lado, é inquestionável a necessidade da existência e funcionamento de um contingente de pessoal afecto à execução das operações portuárias, necessidade reconhecida e consagrada pela generalidade dos países dotados de portos comerciais.

Aliás, a legislação portuguesa o consagrou de há muito, sendo de salientar que, antes de um tal reconhecimento formal em sede de diplomas legais, já se vinham estabelecendo por via administrativa regimes regulamentares da admissão e da colocação de trabalhadores na actividade portuária, de que se citam os normativos designados «Regulamentos do conto» ou da «Casa do conto», a coberto dos quais se estabelecia a disciplina do recrutamento, da colocação e da prestação do respectivo trabalho.

6 — Ora, o que se verifica do teor da inadequada e temerária proposta de lei em referência é que se intenta anarquizar toda a organização do trabalho portuário, a começar pela desregulamentação do sector pretendida por grupos económicos de pressão — que dele pretendem dispor a seu bel-prazer — e a acabar na visualizada e irresponsável extinção de quadros de pessoal exclusivamente afectos à actividade portuária, como se as invocadas razões de eficiência e de competitividade não postulassem a constituição e funcionamento de contingentes técnica e profissionalmente especializados para responderem às necessidades e garantirem as reclamadas melhorias de eficiência e de competitividade.

Há que reconhecer que estes objectivos que a proposta invoca como suporte da política legislativa que enforma a "pieconizada revisão do regime da operação e do trabalho portuários jamais seriam alcançados se os utentes do porto não dispusessem de uma bolsa de trabalhadores estável e permanente, apta a satisfazer as necessidades estruturais e

conjunturais da actividade, nomeadamente quanto aos «picos» de procura bem característicos desta mesma actividade.

7 — Daí que a formulação de alguns enunciados da proposta cause justificada perplexidade, tais como a declarada intenção de virem a ser criados no regime do trabalho portuário mecanismos de transição para o mercado do trabalho em condições idênticas às que vigoram para a generalidade dos trabalhadores dos demais sectores da vida nacional, sendo de observar, desde já, que neste caso se revela patentemente inadequada às características da actividade portuária a aplicação do regime geral do trabalho temporário, como mais abaixo se demonstrará.

E como corolário de uma tal necessidade de constituição de um contingente de trabalhadores afecto ao trabalho portuário haverá de admitir-se que o mesmo tem de ser organizado e gerido em termos de estabilidade e de segurança contratual, sem o que ficam liminarmente comprometidos os assinalados objectivos de um acréscimo de eficiência e de uma esperada competitividade dos portos portugueses.

Mas também neste aspecto a proposta peca por uma defeituosa e segmentar concepção/visão da realidade portuária, óptica essa naturalmente influenciada pelos já referidos grupos de pressão.

8 — E é certamente nesta mesma linha de motivações que a iniciativa governamental ignorou os valores constitucionais da segurança no emprego e o próprio quadro legal da segurança contratual e da estabilidade salarial dos trabalhadores portuários que a Convenção n.° 137 da OIT define e que o ordenamento jurídico português perfilhou através da sua ratificação pelo Decreto n.° 56/80, de 1 de Agosto, de que constitui complemento normativo a Recomendação n.° 145 da mesma Organização Internacional do Trabalho, quadro esse que modela, condiciona e impede involuções do regime de garantias já institucionalizado e cuja revogação ou denúncia não se torna possível no contexto temporal em apreço.

9 — Não ficam, porém, por aqui os reparos de fundo que a proposta de lei suscita.

10 — Se, porventura, viesse a ser aprovada legislação nos termos e com a latitude que o teor da proposta consentiria, cedo se havia de constatar o aparecimento de um numeroso e característico «lote» de trabalhadores adventícios cuja situação — no passado conhecida e designada «homens da rua» — não deixaria de voltar a reclamar medidas sociais e de enquadramento profissional certamente bem mais preocupantes e consequentes do que as que outrora foram suscitadas e que vieram a ser adoptadas.

Na verdade, o irrealismo das soluções delineadas na proposta em apreço geraria mecanismos de recurso a mão--de-obra episódica, descoordenada e, naturalmente menos qualificada — mas nem por isso menos reivindicativa na hora das tensões sócio-laborais e de enquadramento sectorial — a reclamar, por isso desde já e a título preventivo, a indispensável, adequada e ponderada atenção.

11 — Do ponto de vista da sua conformidade constitucional, são de apontar graves deficiências e insuficiências reveladas pela proposta de lei na enunciação do quadro de balizamento em que o Governo terá de mover-se a coberto da autorização solicitada.

Com efeito, constitui requisito constitucional impreterível na definição do objecto da autorização legislativa a explicitação do sentido e da extensão do regime a regular por diploma emanado do Governo, como resulta do preceituado no artigo 168°, n.°2, da lei fundamental.