28 DE OUTUBRO DE 1992
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Os constitucionalistas são unânimes em sustentar a necessidade de na lei de autorização se definir o conteúdo mínimo essencial da legislação a aprovar pelo Governo, como pode ver-se de trabalhos publicados nesse sentido por alguns dos mais consagrados jurisconsultos portugueses: Prof. Jorge Miranda, Prof. Barbosa de Melo e Prof. Gomes Canotilho (').
Citando o primeiro dos identificados autores, Jorge Miranda, não poderá deixar de exigir-se que a lei defina:
[...] o sentido da autorização, ou seja, o objecto e o critério da disciplina legislativa a estabelecer, a condensação dos princípios ou a orientação fundamental a seguir pelo Governo.
Barbosa de Melo, por seu turno, acentua que as leis de autorização «[...] valem como normas de orientação, como normas regulativas, como directrizes — isto é, como critérios a tomar em consideração na decisão legislativa do Governo».
E Gomes Canotilho, referindo-se a uma «relação fiduciária entre o órgão parlamentar e o Governo», salienta que «[...] a Assembleia autoriza o Governo a legislar sobre matérias da sua competência, mas deverá fixar os princípios ou critérios que o Governo deve observar, tal como ela os observaria caso as matérias viessem a ser objecto de lei formal».
E acrescenta que tais leis «[...] não querem limitar-se a cheques em branco; necessário se torna especificar o objecto da autorização, e não indicar apenas, de um modo vago, genérico ou flutuante, as matérias que irão ser objecto de decretos-leis delegados».
12 — Ora, é, precisamente, nestes assinalados aspectos que o teor da proposta não observa as exigências constitucionais.
Na verdade, tanto é o que se passa com a expressão «actividades conexas» contida na alínea b) do artigo 1.°; com a expressão «outros meios de transporte» utilizada na alínea c) do mesmo artigo; com o teor imperceptível da alínea d) deste mesmo artigo; com a expressão «cargas cuja natureza se mostre incompatível com tal regime» usada na alínea g) do artigo 1.°; com o teor da própria alínea j) do mesmo artigo, e com as alíneas a), b) e e) do n.°2 do artigo 2.°
Pela sua vaguidade, pela sua imprecisão e pela sua indefinida amplitude, haverá de reconhecer-se que a proposta conferiria ao Governo, se viesse a ser aprovada, uma autêntica carta em branco na qual ele incluiria o conteúdo, o sentido e a extensão de soluções que a Assembleia não tinha tido oportunidade de conhecer nos seus contornos fundamentais, sendo, por isso, de ter por desconforme com o quadro constitucional legitimador do exercício de uma tal competência legislativa.
13 — De sublinhar, finalmente, que a reestruturação que o Governo se propôs levar a efeito no sector portuário, seja qual for a sua natureza e a sua dimensão, determinará sempre um núcleo de trabalhadores excedentários cujos efeitos decorrentes da sua existência não podem deixar de lhe ser imputados.
Na verdade, é do interesse do Governo e dos autores da sua iniciativa legislativa introduzir alterações ao status quo, as quais sacrificam objectivamente as garantias
(') Io, respectivamente, Revista de Direito Público, ano t, Maio fundamentais de trabalho e de emprego, comprometendo legítimos direitos e expectativas de quantos trabalham no sector e não valorando a mais elementar preocupação que de todos é exigível quanto à estabilidade de emprego dos trabalhadores e à estabilidade dos rendimentos com que satisfazem as suas necessidades pessoais e as dos respectivos agregados familiares. Os contingentes de trabalhadores portuários actualmente afectos a cada porto sofrerão, assim, uma significativa redução, que, aliás, se agravará em portos onde ocorram transformações de outra natureza, como acontecerá, nomeadamente, no porto de Lisboa, em que, por iniciativa e no interesse do Governo, se verificará uma subtracção à área operacional portuária de uma extensa zona como será aquela que, por razões alheias aos trabalhadores portuários, vai ser destinada à execução das estruturas e das infra--estruturas da EXPO 98, diminuindo, por esse facto, o número de postos de trabalho que ali vinham assegurando oportunidades de colocação diária para muitas dezenas de trabalhadores portuários do contingente deste porto. 14 — Por isso, qualquer alteração do regime legal em vigor que determine a desafectação de pessoal do contingente de trabalhadores dos portos não poderá deixar de contemplar soluções adequadas a aplicar a quantos, por esse facto, deixem de poder continuar a exercer no sector a sua actividade profissional. Tanto, aliás, foi o que alguns Governos de países da Comunidade Europeia fizeram em data recente, nomeadamente a França e a Espanha, que estabeleceram para o efeito medidas compensatórias de carácter excepcional, em condições de paz social e com resultados práticos bem perceptíveis. Ora, também em Portugal se não prescindirá de um regime de compensações do tipo das que foram aplicadas em 1989-1990 e que consistiram no licenciamento dos trabalhadores excedentários, mediante a sua passagem à reforma antecipada com bonificações de tempo de antiguidade, a que acresceram algumas medidas complementares de carácter indemnizatório. A filosofia que inspirou o legislador do Decreto-Lei n.° 116790, de 5 de Abril, não poderá ser postergada, tanto mais quanto é certo que a actual reestruturação da actividade e do trabalho portuários constituem objectivos que se inserem numa política de reanimação dos portos em termos da sua maior eficiência e competividade. Já antes do regime aprovado pelo citado Decreto-Lei n.° 116/90, o legislador contemplou a situação especial dos trabalhadores portuários, aos quais reconheceu a necessidade de se lhes aplicar soluções diferentes das que regem as demais relações laborais, como pode ver-se do disposto no artigo 10.° e também no artigo 9° do Decreto-Lei n.° 282-A/84, de 20 de Agosto. E porque assim não deixará de ser, é indispensável que a proposta de lei em apreço contenha, desde já, um quadro de indicações nesse sentido, desde as soluções a adoptar quanto ao pessoal excedentário até à previsão de adaptações a negociar entre os parceiros sociais do sector. É que a preconizada revisão da legislação sectorial dará lugar a um subsequente processo negocial da regulamentação colectiva das condições de trabalho que, além de reflectir em si próprio as modificações introduzidas em sede legislativa, constituirá, naturalmente, o instrumento convencional adequado ao estabelecimento de novas soluções a acordar no âmbito da respectiva reorganização do trabalho, sem perder de vista os assinalados objectivos de um acréscimo de eficiência e de competitividade.