4 DE MARÇO DE 1999
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outros princípios e pode dizer-se que esse princípio da livre escolha dos candidatos é um princípio que não pode sobrepor-se totalmente ao princípio da máxima participação política de ambos os sexos.
De resto, o próprio princípio democrático, para defesa e preservação da própria democracia, tem limites constitucionais. Basta pensar, por exemplo, na limitação dos mandatos do Presidente da República. E eu, há muito, também defendo que devia haver limitação dos mandatos relativamente aos titulares de todos os órgãos políticos a
nível nacional, regional e local.
Também poderia dizer-se que impedir uma determinada pessoa de se ser candidato pela terceira vez consecutiva à Presidência da República é uma limitação ao princípio democrático. E, de certa maneira, é. Mas é uma limitação para defesa da própria democracia.
Estabelecer determinadas percentagens ou quotas, como se diz, relativamente à participação política dos sexos é uma medida no sentido do reforço da democracia, no sentido do reforço da participação democrática.
O quarto e último argumento tem que ver com a auto--regulação.
Não seria melhor esperar que os partidos, livremente, tendo em conta transformações de mentalidades, transformações sócio-culturais, eles apresentassem candidaturas com equilíbrio da representação de ambos os sexos? Certamente que sim. O que acontece é que até agora isso não se verificou. O que acontece é que, até este momento, os partidos não foram capazes de fazer essa auto-regulação a nível de candidaturas. É natural que, mesmo que não houvesse esta proposta de lei, a tendência fosse já nesse sentido.
Há manifestações positivas de como isto se vai verificando a nível de composição de órgãos políticos dos partidos, a nível de composição do Tribunal Constitucional, a nível de maior participação de mulheres em órgãos das autarquias locais. Há sinais positivos, mas, a meu ver, insuficientes.
Por conseguinte, determinadas medidas terão de ser adaptadas com vista ao estabelecimento desse maior
equilíbrio entre ambos os sexos.
E permitam-me que refira algo que aconteceu há dias na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, uma Faculdade onde presentemente há cerca de 70% de alunas, de raparigas. A proporção, neste momento, é essa. Há dias foi eleita a assembleia de representantes e verificou-se que, enquanto que ao nível dos docentes e dos funcionários se fez um equilíbrio, quase a paridade de ambos os sexos, com grande espanto meu verifiquei que, a nível dos estudantes, para 20 estudantes com assento na assembleia de representantes, só havia 3 raparigas. Isto numa Faculdade onde concorreram às eleições quatro listas, quatro candidaturas. Numa Faculdade, enfim, onde seria de esperar que houvesse maior sensibilidade destes problemas, verifica-se que, embora tendo .70% de raparigas, em 20 representantes, só 3 são raparigas.
Ora, isto é uma prova de como a auto-regulação pode, muitas vezes, não ser satisfatória.
É evidente — e isto para terminar — que aquilo que se propõe só vale, só tem sentido, a título provisório, a título transitório ou a título temporário. Aquilo que se espera é que o dinamismo da vida social, política e cultural leve a que o equilíbrio se estabeleça, mas o que parece é que é necessário um certo impulso num certo momento para que venha a conseguir-se a médio prazo esse equilíbrio.
2 — Depoimento da Dr.° Leonor Beleza:
Gostaria de fazer algumas reflexões sobre esta questão.
Andou bem o Sr. Prof. Jorge Miranda em ir avisando que o sistema sobre o qual nós trabalhamos no grupo de trabalho e, aliás, os termos em que a proposta de lei formula esta questão, não estão dinamizados, no sentido de que não dizem que tem de haver um certo número de mulheres porque pode ser que, um dia, as coisas se ponham de outra maneira.
A verdade é que isto hoje ainda não é assim. Estamos muito longe ou, pelo menos, as pessoas sentem muito pouco que o problema se possa colocar a curto prazo e não é seguramente por acaso que esta sala está, embora muito pouco cheia, em todo o caso, muito pouco cheia de mulheres a assistir.
Sr. Professor, de facto, hoje, na sociedade portuguesa ainda somos largamente as mulheres quem discute estas questões e ainda elas estão excessivamente pouco vistas como questões que pertencem a todos e que interessam a todos por muito que nós saibamos que as coisas não são bem assim.
Quem sou eu para me atrever a discutir o que quer que seja em relação ao que o Sr. Prof. Jorge Miranda disse sobre a leitura da Constituição.
Neste domínio e não é sobretudo sobre isso que quereria dizer algumas coisas embora me pareça — e suponho que ninguém terá retirado nem seria possível retirar daquilo que o Sr. Prof. Jorge Miranda disse — que a única forma de cumprir o artigo 109." da Constituição seja com uma iniciativa legislativa desse tipo. Suponho que não era isso que disse e também não julgo que possa ser retirado isso do artigo 109.° da Constituição.
Agora, que ele acrescentou alguma coisa em relação àquilo que anteriormente lá estava, isso tenho eu própria poucas dúvidas que acrescentou.
Gosto de dizer que, no que respeita ao estatuto das mulheres na sociedade portuguesa, há um mundo que separa aquilo que vivemos hoje daquilo que acontecia, por hipótese, no momento do 25 de Abril. Isto só para situar no tempo as coisas e para situar, de facto, um momento
que foi de enorme viragem em relação a muitos dos aspectos que nos interessam: as leis foram radicalmente modificadas em relação aquelas que aprendi na Faculdade de Direito e, na prática, muitas coisas se modificaram muito.
Não quero lembrar muita coisa, a maior parte das coisas estão ditas no livro que contém as propostas dos membros do grupo em relação a esta questão e ainda recentissimamente a Comissão para a Igualdade dos Direitos das Mulheres publicou uma actualização sobre a situação das mulheres em Portugal referida a 1997. Comparando isso e o que se passava no 25 de Abril, é fácil verificar tanta diferença no domínio do emprego, no domínio da educação e em variadíssimos domínios e até na apreensão pública generalizada que as pessoas têm sobre qual é o papel das mulheres ou, pelo menos, naquilo que estão dispostas a aceitar em relação ao papel das mulheres.
Eu própria posso dar um exemplo pessoal que estava aqui há bocadinho a referir. O Sr. Prof. Jorge Miranda disse que a Faculdade de Direito tem 70% de mulheres alunas. Ora, eu ainda entrei na Faculdade no tempo em que as meninas se sentavam à frente e os meninos atrás e as meninas eram bastante menos que os meninos e eu fui a primeira rapariga, na altura era muito jovem, a ser convidada para assistente da Faculdade de Direito de