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II SÉRIE-A — NÚMERO 41

Não tinha a menor dúvida sobre a legitimidade constitucional como o Prof. Jorge Miranda e a Dr.° Leonor Beleza também disseram. O problema sob o ponto de vista de direito positivo não se coloca porque o artigo 109." autoriza que se faça essa distinção e coloca a realização da igualdade substancial entre homens e mulheres como o princípio constitucional que conflitua e que autoriza a limitação do princípio da indistinção, no povo que elege, entre homens e mulheres e, portanto, da indistinção do cidadão. Autoriza que no conceito de cidadão se faça essa distinção e, portanto, não é sob o ponto de vista de direito positivo que o problema se coloca. O problema a mim colocava-se sob o ponto de vista dos princípios, parecia-me que era uma cedência má, que era o primeiro reconhecimento de que podíamos deixar de ser um povo para passarmos a ser uma espécie de um conglomerado de fracturas.

Portanto, era esta a minha posição de início e era esta fundamentalmente a razão pela qual eu achava o mecanismo das ditas quotas uma coisa insustentável.

Mudei de ideias. Mudei de ideias quando vi e quando percebi que há duas coisas mais insustentáveis e mais feias.

Em primeiro lugar, a grande razão para fealdade e coisa perfeitamente insustentável. Somos uma sociedade que teve uma intensidade de mudança em 24 anos perfeitamente singular no quadro europeu. É preciso não esquecer que, de acordo com estatísticas do Eurostat, nós estamos em primeiro lugar, à frente dos países escandinavos, quanto à intensidade de participação feminina no ensino universitário superior, estamos em terceiro lugar em todos os países da União Europeia quanto à intensidade de emprego feminino, quanto à intensidade de participação das mulheres na vida económica, na vida social e na vida cultural.

No domínio da representação política, pouco ou nada mudámos. Durante a década de 80, chegou a haver no Parlamento menos mulheres do que aquelas que havia na Assembleia Nacional a 24 de Abril de 1974. Isto quer dizer alguma coisa. De todo o modo não é uma situação normal, não é normal viver assim.

Em segundo lugar, não é normal, nem salutar, viver numa sociedade onde a política e os políticos são uma actividade e uma classe desprestigiada e desprestigiante. Algo corre mal, algo vai mal, num país que se governa ou que se quer governar desse modo e é preciso mudar, é preciso reformar e é preciso começar por algum lado.

Há, portanto, dois indícios de que algo vai mal na nossa sociedade e nos nossos institutos de representação política. E, por isso, pareceu-me mais importante tentar, em nome do interesse de todos, em nome do interesse público e em nome da democracia, reformar o que vai mal, fazer alguma coisa e não se deixar afectar excessivamente por questões de princípios. A história encarrega-se de os fazer, de os modelar, de os limar, de os transformar.

Pareceu-me também que, sendo as quotas uma coisa indiscutivelmente feia, paieceu-me por tudo isto um corrector histórico, transitório, indispensável. E pareceu--me também que é talvez urh dever cívico fazer alguma coisa e não deixar que a coisa se faça pelo decurso do tempo, que me parece que não é certo que funcione como corrector.

4 —Em resposta a perguntas de Deputadas e Deputados, foi declarado o seguinte:

a) Pela Sr.° Prof." Doutora Lúcia Amaral: Em primeiro lugar, suponho que todo o grupo de trabalho estabeleceu uma ligação entre este estudo que fez com proposta de resolução do problema da participação

feminina nos órgãos do poder, com o problema mais vasto da saúde e da qualidade da nossa democracia e também com o problema mais vasto da inevitável reforma das nossas instituições políticas.

E para mim claro e suponho que o será também para os outros membros do grupo que as duas questões estão indissoluvelmente ligadas, por várias razões.

Sob o ponto de vista jurídico, é claro que a revisão de 1997, que introduziu a autorização constitucional para que este mecanismo fosse consagrado em lei, a revisão de 1997, tem um sentido global e uma justificação e uma razão de ser global e a sua razão de ser global é a de reformar a Constituição de modo a atalhar a um processo que todos nós verificamos de erosão das instituições representativas e que é um processo que pode ser fatal e perigoso.

Há diversas formas de atalhar esse processo de erosão das instituições representativas, sendo que uma delas pode ser a de aproximar mais intensamente o representante do representado. E a maior participação feminina nas instâncias últimas de decisão política tem que ver com essa maior aproximação entre o representante e o representado e é um remédio essencial para atalhar esse processo de erosão das instituições representativas que existe e que tanto existe que foi reconhecido pelo legislador de revisão.

Poder-se-á discutir se esta, nomeadamente a concreta medida das quotas, é ou não a boa solução. Agora, ela não é introduzida para satisfazer interesses parcelares. Houve no debate público argumentos apresentados que me causaram alguma indignação, como se esta medida viesse satisfazer interesses das mulheres ou interesses de grupos. Não é nada disso. Nós o que estamos a cuidar é do interesse público. E esta é uma medida de interesse público. Só assim ela é pensável. E é uma medida de interesse público porque, antes do mais, se justifica constitucionalmente como uma forma de melhorar a qualidade de representação política. E melhorá-la, tornando-a mais próxima do mundo que é a sociedade que visa representar.

Em segundo lugar, esta questão é muitíssimo importante e, por isso, foi tantas vezes colocada. Mas, por que é que o problema existe? Por que é que a sociedade portuguesa mudou no domínio da economia, no domínio da cultura, no domínio das mentalidades? Por que é que as mulheres estão por todo o lado e não estão na política?

Sr.a Deputada, tenho alguma dificuldade em lançar-me por estes caminhos porque são meras intuições e tenho muita dificuldade em aderir a generalizações e lugares comuns. Mas, de facto, o que a vida me tem ensinado é que as mulheres são um bocado diferentes no domínio da ambição. Realmente, os filósofos medievais falavam em libido dominandi, em prazer de dominar, e falavam só para os homens porque, obviamente, as mulheres nem ficavam no seu universo de indagação.

Portanto, é evidente que quando eles falavam em libido dominandi, como um dos grandes pecados da humanidade, o prazer, o gosto de mandar, estavam a pensar só no gosto dos homens de mandar. A verdade é que eu acho que talvez esse gosto seja masculino, não sei, mas talvez essa ■ libido seja masculina ou talvez seja porque as mulheres ainda não tiveram ocasião de a exercer. Não faço a menor ideia.

Por uma coisa ou pela outra, sinto uma libido diferente nas mulheres, isto é, sinto que a nossa ambição é realmente muito mais a ambição de mudar, de ter um projecto, do que de alcançar o poder pelo poder. Talvez seja nota