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II SÉRIE-A — NÚMERO 41
A vida partidária é feita disto e é por isso que é tão difícil aos partidos, até mesmo quando o querem fazer de cima, dizerem «as coisas são desta maneira». É que há
inúmeras estruturas, pequenos mecanismos. Todos os
partidos praticam quotas informais, todos os partidos consideram inadmissível que as listas de candidatos não tenham jovens, mas já não lhes faz nervoso nenhum que os jovens sejam todos do sexo masculino. Mas, repito, consideram inadmissível que não haja jovens.
Nas listas partidárias, em cada círculo, tem de haver uma repartição equilibrada das várias zonas desse círculo, nomeadamente nos grandes círculos eleitorais. É preciso que cada concelho se sinta razoavelmente representado. E os concelhos sentem-se suficientemente representados se houver candidatos que venham de lá. E também não lhes faz nervoso que sejam todos homens.
As quotas informais sempre existiram nos partidos políticos. São praticadas nos partidos políticos. Mas, ainda não houve suficiente força para que essas quotas informais também sejam praticadas em relação às mulheres.
Julgo que aqui há um mecanismo em dois sentidos: há, muitas vezes, mulheres que não querem; há, muitas vezes, estruturas partidárias variadíssimas que usam dos mecanismos mais visíveis ou mais ocultos ... Porque, reparem: quando se pensa fazer uma lista para um determinado distrito, para um determinado.círculo eleitoral, há aqueles que já lá estavam, aqueles que já são os que foram candidatos por esse distrito. Ora, o primeiro problema é saber--se se são aqueles ou outros. Se aqueles que já lá estão são, na sua enorme maioria, homens e se se trata de colocar mulheres na lista, as modificações são muito maiores, não é verdade? E portanto, os mecanismos de inércia dificultam imensamente que haja substituições.
Não sei se as mulheres têm menos ou mais ambição. Acho que numa assembleia, como são as realizadas nos partidos políticos, onde estas coisas se discutem e onde, normalmente, estão muito poucas mulheres, é capaz de ser mais complicado que se faça ouvir o barulho da ambição dessas mulheres. E capaz de ser mais complicado. E toda a gente que estuda estas coisas sabe que a partir de um certo nível de participação das mulheres nessas assembleias as coisas se modificam — fala-se normalmente à volta dos 30 % —, quer em termos de práticas porque passa a ser menos necessário explicar-se que se vai buscar o carro que está na garagem porque as pessoas percebem todas bem que os meninos não podem ficar abandonados na escola ou em casa ou onde quer que seja até à tantas. Há uma maior dose de aptidão e de capacidade e disponibilidade para perceber essas coisas, como também, se calhar, se considera mais normal que as mulheres exprimam as suas ambições várias com a mesma liberdade com que, se calhar, os homens são capazes de as exprimir.
Tendo a acreditar que há coisas que são diferentes entre as mulheres e os homens. Tendo a acreditar isso. Mas também há mulheres que funcionam de uma maneira e há homens que funcionam de outra e o que é extremamente diminuidor, se calhar, é que é capaz de haver muito menos mulheres com a mesma liberdade de exprimir publicamente a sua ambição que os homens sentem. E isto, se calhar, resulta de um mecanismo muito complicado.
Mas, acho que há um conjunto de coisas que explicam estas dificuldades todas e que, hoje, como também dizia a Dr.º Lúcia Amaral, já não é só uma história de dificuldade de conciliar todas as coisas porque há inúmeras mulheres profissionais em campos onde as conciliações são muitíssimo complicadas. Acho que há uma questão de
prestígio da política, de prestígio dos políticos, de desejo
de fazer uma vida política encarada como um factor de
realização pessoal e não um factor de exposição excessiva e de uma série de problemas que, porventura, se não
arranjam numa outra vida qualquer.
E este é um problema em que se cruzam.duas coisas diferentes, que é a falta de participação das mulheres e a necessidade absoluta de que a vida política e os políticos encontrem meios de renovação e meios de chamar os melhores de cada sociedade a participar.
Acho que isto é muito complicado e não tenho mais do que ensaiar respostas para estas coisas. A única coisa que posso dizer é que já vi muita coisa: já vi, muitas vezes, direcções partidárias, ao mais alto nível, tentar impor às listas apresentadas por direcções partidárias a outros níveis uma maior participação de mulheres e levantarem-se milhares de dificuldades, como: «Então o concelho X fica sem ter alguém!? Então, a Jota fica sem ter ninguém!? Então, o não sei quê de ninguém!? E não há vozes ainda, nem dentro nem fora dos partidos, que digam: «Então, e as mulheres!?»
Oiçam uma coisa: se nalgum país nórdico algum partido se atrevesse a apresentar listas eleitorais sem mulheres, estava votado ao fracasso porque as pessoas não votavam. Esta é uma questão entre os partidos e a sociedade em geral. Não quero dizer que as culpas são daqui ou dali. É entre a percepção que os partidos têm do que é que a sociedade espera deles e entre a forma como os partidos, também, por dentro, estão dispostos a fazer as coisas avançarem.
Repito, a escolha dos candidatos na Assembleia da República e no Parlamento Europeu é, hoje, entre nós, exclusivamente uma escolha dos partidos. São os mesmos partidos que têm, na Assembleia da República, de votar ou deixar de votar leis num ou noutro sentido. Más os partidos também funcionam em função da percepção que têm 'sobre o que a sociedade exige ou deixa de exigir.
Desculpem-me mas gostava de ver as mulheres portuguesas fazerem um pouco mais de barulho, se calhar, e irem um pouco mais longe em acharem estranha esta coisa de os partidos continuarem a achar que podem apresentar listas compostas só de homens.
Como é que uma maior visibilidade da participação das mulheres em certos órgãos políticos pode levar à maior participação das mulheres em geral? Bom, acho que aqui há um efeito de demonstração e de normalidade que se vai instalando que também empurra para uma maior normalidade noutras coisas.
O grupo de trabalho funcionou em cima da hipótese da Assembleia da República, mas a questão põe-se a muitíssimos outros níveis. Provavelmente, era impossível pensarem, de repente, fazerem exigências a todos os níveis da participação política. Aquilo que nos foi dado que pensássemos foi, basicamente, da Assembleia da República, mas, enfim, o grupo teve consciência de que o problema se punha a muitos outros níveis. Isso está escrito nos documentos que existem.
É provável que se na Assembleia da República houver um número mais substancial de mulheres Deputadas, mais mulheres se disponham a ser autarcas, se disponham a participar nas estruturas partidárias, e que os partidos também sintam a maior necessidade de fazer isso. Há aqui, enfim, efeito que nos pede demonstração recíproca que possa vir, de certa maneira, a acontecer.
Por fim, só mais um pequeno problema que tem a ver com a questão das listas e dos resultados.