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4 DE MARÇO DE 1999

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generalização abusiva, mas sinto-o, quotidianamente, na minha vida. É muito difícil dizer que há formas femininas de ver as coisas. Fala-se hoje de uma literatura feminina, não sei se se poderá falar de uma política feminina. Não faço a menor ideia. Mas é um pouco como as bruxas: «Non creo que las ay, pero que las ay las ay.» Talvez noutra... mas que há uma diferença, há. De onde é que ela vem, não sei.

Seria, no entanto, muitíssimo salutar —para voltar ao primeiro ponto — para que mude a imagem dos políticos, sobretudo para que quem representa esteja mais próximo do representado, que déssemos uma oportunidade para quem' tem um estilo diferente porque tem, tentássemos um pouco mudar as coisas.

b) Pela Sr." Dr." Leonor Beleza:

Se me permitem, gostava de voltar ainda a esta questão de saber porque é que há ainda tão poucas mulheres na política, para o que já tentei ensaiar um pouco uma explicação.

Ouvi uma vez um homem, o Dr. Albino Aroso, que provavelmente todos sabem bem quem é, dizer que «a realização das mulheres era assim uma espécie de uma mesa com vários pés porque era o pé da família, o pé da sociedade e o pé da profissão e o pé mais não sei de onde, e aquilo que as mulheres sentiam como a sua realização era, porventura, mais exigente e tinha mais pés do que, porventura, aconteceria com muitos homens (sem ofensa para ninguém)». Isto é, a ideia de que a carreira é muito importante para os homens e não é muito importante para as mulheres, talvez não a visse bem assim. A carreira é seguramente muito importante para muitos homens, mas o que acho é que as mulheres além da carreira, se calhar, precisam de outras coisas e como a explicação é dada por um homem, eu transmito-a porque me pareceu que ele tem, sob muitíssimos aspectos, uma enorme felicidade na forma como vé estas coisas e na forma como entende os problemas das mulheres. E quando ouvi esta explicação, achei que ele estava exactamente a acertar, não tanto porque as mulheres não têm ambição de carreira e não querem ter uma carreira política, ou profissional, distinguir--se, prestigiar-se, o que quer se seja, mas é porque —e não sei bem porque — eu acho que as mulheres mais dificilmente se sentem realizadas se não correrem bem várias coisas ao mesmo tempo.

Acho que isto, depois, também tem muitas consequências: a organização do tempo e a noção de que não há tempo a perder se calhar é uma coisa diferente. E toda a gente que já fez política sabe que a política se perde tantas vezes no tempo e nas horas e nas reuniões que não são à hora que era para ser e que começam agora mas que deveriam ter começado duas horas antes e que sabe Deus a que horas é que acabam e em que se pode combinar, de repente, modificar completamente o programa que estava previsto para o dia a seguir e que o que não muda são outras horas a que as pessoas estão sujeitas e a que a vida das pessoas está sujeita.

Outro dia, ouvi uma mulher exprimir, com muita graça, que quando uma mulher precisa de sair do emprego a uma certa hora para fazer uma coisa qualquer, para ir buscar um filho, concretamente, convém dizer que é porque «tenho o carro na garagem a arranjar e tenho que o ir buscar» porque isso é bem visto, isso não levanta problemas nenhuns. Mas ir buscar o filho é uma coisa, de facto, pouco condizente com o estatuto profissional e/evado. ír buscar o carro que está na revisão, enfim, é uma coisa aceitável e compreensível.

O exemplo é um pouco por brincadeira, mas acho que a diferença está, talvez, mais nisto e talvez nos sintamos com mais dificuldades quando estamos a trabalhar e sabemos que o filho está a espera que a gente o vá buscar ou que não fez não sei o quê ou que tem um exame e que precisa de ajuda ou qualquer outra coisa. E quando

está a tratar do filho está a pensar que, no outro lado, era preciso dizer que ... Tenho essa experiência pessoal de como é muitas vezes difícil conciliarmos na nossa cabeça simultaneamente as coisas todas que nos são pedidas para que sintamos que está a fazer aquilo que tem de fazer. Ou então, estamos culpadas porque, se calhar, é mais verdadeiro.

Acho que esta é uma parte da história. É evidente que a história da conciliação e do que ainda é larguissimamente pedido às mulheres na sociedade portuguesa, em termos de responsabilidades familiares, é um obstáculo «eficacíssimo» a que se façam muitas outras coisas. E evidente. As coisas mudaram muito, as mulheres têm acesso à educação, têm acesso ao emprego, têm acesso a mais não sei quê, mas espera-se sempre delas que governem a casa, que assegurem que toda a gente em casa come, que os meninos vão para o colégio, que fizeram os deveres e por aí fora.

Isso espera-se, normalmente, das mulheres e ainda se espera muitíssimo mais das mulheres do que dos homens. Há, aqui, de facto, um ponto... E é por isso que eu dizia que o discurso da prevalência das responsabilidades políticas e profissionais sobre as familiares e dos imensos sacrifícios pessoais e familiares que faço para andar nesta vida é um discurso profundamente eliminador das mulheres na vida política.

Quando, na maior das calmas, se diz que «a minha família, coitada, é que perde imenso com isto»!... E que as mulheres não se podem dar ao luxo de deixar de fazer isso, nem lhes passa pela cabeça dar-se a esse luxo, por muito que, quando têm uma intervenção política pesada, de facto, tenham de comprometer outras coisas. Por muito que o façam. Mas não é um discurso, acho eu, que as mulheres facilmente olhem como positivo e acho até que é um discurso que as elimina com uma grande facilidade da vida política.

Ora bem, eu acho que há duas coisas que acontecem: há muitas mulheres a quem não passa pela cabeça meter--se na vida política. Muitas vezes eu vi fazer esforços para que haja mais mulheres nas listas e vi muitas mulheres a dizer que não querem e há inúmeros obstáculos na vida político-partidária a que haja renovação do pessoal político e que, nomeadamente, essa renovação se faça por via das mulheres.

Tenho, como sabem, uma experiência político-partidária de há muitos anos e sei como é que é feita a escolha das pessoas que se apresentam a determinados cargos, designadamente a cargos efectivos.

Essa escolha é participadíssima de alto a baixo nos partidos, isto é, os partidos têm estruturas concelhias, e depois distritais e depois nacionais e essas escolhas passam por essas estruturas todas e até acontece que, quando as eleições estão relativamente próximas, a vida interior partidária é, de uma maneira mais oculta ou mais aberta, orientada para essas escolhas e que, quando se chega relativamente pefto das eleições, há muita escolha já feita e escolhas a vários níveis. As pessoas são muitas vezes eleitas para as estruturas locais porque, em (roca, se sabe que vão indicar Fulano, Beltrano e

Sicrano.