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II SÉRIE-A — NÚMERO 41

progressivamente ir corrigindo. Porventura, em 1975 seria mais acentuado do que é hoje, mas ainda hoje é muito assim e penso que todos nós, que temos responsabilidades a nível partidário, sabemos que o é, em face do número de reuniões nocturnas sucessivas em que temos de estar

presentes, o número de fins-de-semana constantemente ocupados.

Por outro lado, temos também de ter consciência — e não quereria, de maneira nenhuma, transformar este debate numa sessão de propaganda de acções do Governo em matéria de política social — que, independentemente dos progressos que possamos reconhecer, quer o queiramos ou não fazer, que possam existir, neste momento, em relação a todo um conjunto de mecanismos de apoio, no plano social, nos equipamentos sociais, nas políticas sociais, desde um pré-escolar ao acompanhamento das pessoas mais idosas, a verdade é que, na sociedade portuguesa, tal como ela hoje existe, há ainda um enorme défice de apoio à vida familiar, défice esse que, com a nossa tradição cultural e as nossas circunstâncias objectivas, é, em grande parte, suprido pelo sacrifício assumido, aliás' com grande dignidade e de uma forma inteiramente voluntária na maior parte dos casos, de muitas mulheres que poderiam exercer funções políticas, não tendo uma sobrecarga adicional e não a partilhando normalmente com os homens como seria desejável. A verdade é que isso se traduz, para muitas mulheres, numa enorme dificuldade de compatibilizar esse assumir de responsabilidades com o exercício de certo tipo de funções e, em particular, de funções de natureza política.

Por outro lado, devo dizer-lhes, com inteira sinceridade, que os partidos políticos se constituíram em factor condicionador dessa participação. Os partidos políticos lidam com questões de poder e uma das coisas mais difíceis de alterar, dentro de um sistema de poder, é o próprio sistema de poder ou a identidade daqueles que exercem o poder dentro das estruturas.

Isto é particularmente significativo naquelas organizações que, pela sua natureza própria, têm a ver com a essência do exercício do poder político. Como é evidente, não estamos a criar partidos políticos do zero, mas estamos a viver partidos políticos que têm uma história, que têm uma carga, que estão, de alguma forma, com as suas próprias funções já preenchidas a todos os níveis de militância por pessoas que, com grande generosidade muitas vezes, mas também com algum egoísmo — é necessário dizê-lo — desempenham essas funções.

Originariamente os nossos partidos políticos têm uma fortíssima carga masculina ao nível do seu funcionamento a todos os escalões da sua vida. Acho que isso é particularmente nítido nos partidos políticos em relação a outras formas de associativismo e é particularmente relevante por isso mesmo.

Relevam para explicar a actual situação a persistência — ainda que, esperemos, não permanente e progressivamente diminuída — de valores culturais que acentuam o predomínio da mulher no espaço privado, em contraste com o predomínio do homem no espaço público, as dificuldades objectivas que decorrem das nossas deficiências no plano social e no plano económico de apoio às estruturas familiares e os sacrifícios que, com a repartição desigual que existe na nossa sociedade das responsabilidades nesse domínio entre mulheres e homens, os sacrifícios que isso tem imposto à generalidade das mulheres portuguesas.

Por outro lado, o carácter e a natureza específicos dos partidos políticos e a sua tradição histórica, a forma como nasceram, como se desenvolveram, como hoje existem, fazem que, na prática, seja muito difícil nos partidos políticos, naturalmente, fazer surgir um maior grau de responsabilidade das mulheres no exercício de funções políticas dentro dos partidos e nos órgãos do Estado onde se fazem representar.

Do meu ponto de vista, este facto — e creio que este é

um facto e que esta anomalia é a mais nítida nas questões de desigualdade entre mulheres e homens na sociedade portuguesa, muito mais nítida do que desigualdade a outros níveis da vida económica, social e cultural no País — não deixa de constituir, em minha opinião, aquilo que é um gravíssimo défice de cidadania, de exercício de cidadania, uma desigualdade objectiva entre mulheres e homens naquilo que é o cerne da nossa vida democrática. Independentemente do mandato constitucional, breio que existe em todos nós uma responsabilidade política no sentido de procurar combater esse défice.

É evidente que o combate a esse défice se pode fazer de muitas maneiras. Diria mesmo que tem de fazer-se em muilas áreas de intervenção na sociedade. E todas as que referi — como o vencer de preconceitos culturais, um maior equilíbrio na atribuição das responsabilidades ao nível da família, as políticas do Estado no sentido do apoio a essa mesma família, nomeadamente nas áreas que mais sobrecarregam a vida familiar nos tempos de hoje—, tudo isso é indispensável prosseguir com grande determinação para que a igualdade de direitos dê lugar a uma verdadeira igualdade de facto e para que no núcleo duro onde é mais difícil essa igualdade manifestar-se, ou seja, na vida política, ela também possa ter uma maior oportunidade.

Mas acontece que, no plano político, o País não perde apenas por existir um défice de cidadania e um défice de igualdade. Penso que o País perde também porque o carácter excessivamente masculino nos órgãos de decisão política faz que a qualidade das decisões políticas seja, do meu ponto de vista, menor do que se tivéssemos uma mais equilibrada distribuição desses órgãos de decisão política.

Esse é o testemunho pessoa) que posso, aliás, transmitir ao fim de muitos anos de experiência política.

Na dinâmica de um qualquer grupo, seja esse grupo um governo, uma comissão parlamentar, uma câmara municipal, na dinâmica de um qualquer grupo, a qualidade da decisão e a qualidade da execução dessa mesma decisão política melhoram quando, de alguma forma, para essa decisão contribuem, de forma equilibrada, as diversas componentes daquilo que é hoje a essência da natureza humana. E isso, do meu.ponto de vista, só é possível com uma presença muito mais equilibrada de mulheres e homens nesses órgãos de decisão e nesses órgãos de execução política.

É que, sendo iguais perante a lei e exigindo nós uma igualdade e até uma paridade de facto na sociedade portuguesa, é indiscutível que com todos os cambiantes de natureza pessoal que existem na personalidade de todos nós, existe um contributo feminino que, do meu ponto de vista, é essencial, em termos de peso relativo significativo para que as decisões sejam decisões humana e politicamente mais justas e equilibradas e para que essas decisões possam ser, humana e politicamente mais bem aplicadas na sociedade portuguesa.

Com a plena consciência de que existe um défice sério de cidadania e de igualdade, ao nível do exercício das