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4 DE MARÇO DE 1999

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funções políticas, com a plena consciência que desse défice resulta, para além da mácula do princípio da igualdade, uma menos boa qualidade e capacidade de decisão, um menos bom funcionamento dos órgãos políticos que se enriqueceriam com um contributo mais equilibrado de ambos os sexos.

Com consciência das enormes dificuldades gerais para a concretização da igualdade de facto na sociedade portuguesa e que essas dificuldades gerais são particularmente sentidas ao nível do funcionamento dos órgãos do poder político e das estruturas que suportam o seu preenchimento e que são, em particular, os partidos políticos, penso que, sem que isso nos desresponsabilize da necessidade de actuar em todas as outras áreas indispensáveis para que a igualdade se concretize, é necessário introduzir alguma ruptura que obrigue as pessoas, de alguma forma, a quebrar este círculo vicioso.

E a minha consciência de que essa ruptura é necessária aumenta com o facto de eu verificar que, ao contrário do que se poderia esperar, nós temos mais dificuldade em fazer impor uma presença significativa de mulheres ou em as mulheres fazerem impor uma presença significativa de si próprias nos órgãos partidários, sendo a dificuldade maior ao nível da base do que ao nível da cúpula.

E se isto é assim, isto quer dizer que estamos perante um fenómeno que não tem tendência a autocorrigir-se, de uma forma rápida e automática. Estamos perante algo que é um núcleo duro de resistência, que corre o risco de, numa sociedade como a nossa, não digo de se perpetuar, mas, pelo menos, de se prolongar, com as características actuais, por muito tempo, o que é, do meu ponto de vista, altamente indesejável.

Não sou, naturalmente, favorável por princípio a medidas de discriminação e entendo, aliás, que qualquer legislação que se aprove neste domínio não deve assumir em si própria uma forma discriminatória mas uma forma de afirmação de condições iguais para qualquer dos sexos. Nem me parece que a designação que habitualmente se dá àquilo que está em causa nesta («legislação de quotas») seja uma designação correcta. O que está em causa não é preencher uma quota mas estabelecer um mínimo indispensável de participação.

A palavra quota, de alguma maneira, dá a ideia de que se tem como objectivo enquadrar, numa espécie de ghetto, um conjunto de pessoas que ocupam aquela área. Não é isso que está em causa. O que está em causa é caminhar para uma verdadeira paridade de participação e aquilo que me parece fundamental é apenas dar um empurrão inicial. Não é por isso estabelecer um sistema mas dar um empurrão inicial, sem o qual tenho muito medo que condições mínimas de igualdade, já para não falar de paridade nos órgãos políticos de decisão, levem ainda muito tempo a concretizar-se, em Portugal.

E é nesse sentido que me parece extremamente positivo que, à semelhança do que acontece ou aconteceu noutros países, em que esse empurrão, aliás, veio a revelar-se eficaz e a tornar-se desnecessário a partir de uma certa altura, eu sou efectivamente adepto de que situações desiguais não se podem tratar de uma maneira formalmente igual e que há aspectos formais de igualdade que, na prática, não fazem mais do que confirmar e acentuar desigualdades. E a igualdade que nos importa é uma igualdade substancial e não uma igualdade formal.

Por isso, parece-me extremamente útil que a lei, no cumprimento, aliás, de um princípio constitucional, possa obrigar as estruturas- políticas a respeitarem um mínimo de equilíbrio na intervenção política-de homens e mulheres na vida política portuguesa. Um mínimo de equilíbrio, repito.

E, como digo, não me parece sequer que a designação de quotas seja uma designação minimamente adequada ao que está em causa neste aspecto. O que está em causa é a lei obrigar, vencendo resistências que todos reconhecemos serem muito complexas, a que as estruturas, de alguma forma violentando a sua maneira natural de proceder até hoje, possam criar condições de um mínimo de equilíbrio na participação de mulheres e homens na vida política portuguesa.

Devo dizer, aliás, que considero que o facto de algumas forças políticas dizerem hoje que estão contra o princípio legal mas que vão respeitá-lo na prática é já de si a prova de que valeu a pena introduzir esta legislação e de que valeu a pena introduzir este debate porque, porventura, se ele nunca tivesse sido introduzido nestes termos, não seria necessário respeitá-lo na prática.

E aqueles que entendem que devem respeitar, na práüca, esse princípio estão, no fundo, a reconhecer que têm de fazer um esforço para o fazer, visto que, no passado, assim não aconteceu e assim, hoje, não acontece na generalidade dos órgãos.

Estou a reconhecer uma dificuldade. Devo dizer-vos, com a experiência que tenho de direcção de um partido político, que essa dificuldade é real, não vou escamotear as questões, é uma dificuldade real impor tal orientação às estruturas do partido político não tanto até na elaboração de uma lista para o Parlamento Europeu mas, seguramente, muito mais na elaboração de listas, por exemplo, para órgãos de poder autárquico. Aí está em causa uma mudança sociológica muito mais profunda nas próprias estruturas, enquanto uma lista para o Parlamento Europeu se pode, de alguma forma, facilmente compor, através de uma decisão política ao mais alto nível, desde que haja consciência política para tal.

Por isso, entendemos que este é um primeiro passo, que é um passo necessário, diria infelizmente necessário, mas necessário, que é um passo desejável, que não pode, de maneira nenhuma, ser assumido como um anátema, seja para quem for, a não ser para com a sociedade que não foi capaz de resolver este problema por outra maneira até hoje. De facto, não pode ser assumido, de maneira nenhuma, por qualquer anátema, mas como um contributo que a auto-organização da sociedade política se dá para cumprir um objectivo de cidadania e para melhorar a qualidade das suas decisões.

Nesse sentido, devo dizer-vos que, com alguns anos de experiência, batendo-me por este conceito e com muitas derrotas, no passado, nesta luta — e devo confessá-lo com toda a sinceridade —, com muitas derrotas nesta luta, repito, sou francamente favorável, diria mesmo entusiasticamente favorável, à introdução de medidas como aquelas que, neste momento, estão em consideração, independentemente agora da sua modelação, da sua forma, de contributos de enriquecimento os mais variados que para ela podem ser dados.

Como disse, o simples facto de, mesmo aqueles que hoje se manifestarem contrários a estas medidas, dizerem, publicamente, que as vão respeitar na prática é, porventura, a maior homenagem que podem prestar a elas próprias e à sua necessidade.