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II SÉRIE-A — NÚMERO 41
Lisboa, exactamente nas mesmas condições em que os rapazes da mesma idade eram convidados. Tinha havido duas mulheres docentes antes de mim mas nenhuma delas tinha sido convidada no momento em que o curso tinha terminado, pelo simples facto de ter classificações para
isso, como acontecia com os rapazes.
Hoje, o panorama da Faculdade de Direito é radicalmente diferente e porventura até talvez seja difícil explicar às jovens alunas é aos jovens alunos de hoje como é que as coisas eram nesse tempo, que foi há bastantes anos, um bocadinho antes do 25 de Abril.
Esta questão da participação das mulheres na vida política é uma questão em que há uma dose enorme de diferença entre o discurso político e a prática, como estamos todos, enfim, fartíssimos de saber. Ninguém diz, em teoria, quando discursa, que não é muito bom que as mulheres participem. Todos os líderes políticos, todos os responsáveis políticos dizem sistematicamente isso e, na prática, é seguramente o aspecto em que vimos ocorrerem menos modificações, nestes 20 e tal anos, período em que, noutros domínios, se deram grandes modificações na sociedade portuguesa.
Por outro lado, há alguns aspectos, até do discurso político-social que, do meu ponto de vista são altamente perturbadores ou contrários a essa ideia da igualdade. E saliento, em particular, como se gosta na actividade política de se referir que se fazem grandes sacrifícios pessoais e familiares para se poder ter uma actividade política intensa.
Talvez não seja uma consciência que adquiri muito depressa, mas hoje, quando oiço isto, estou a ouvir: cá esta uma boa maneira de dizer que há uns que podem e outras para quem isto é muito complicado porque é evidente que estamos num domínio privilegiado da compatibilização entre os vários aspectos da vida das pessoas, estamos num domínio privilegiado onde não é possível ir muito longe
sc as pessoas não puderem, simultaneamente, ter uma vida
familiar razoavelmente preenchida, uma vida profissional, social e de intervenção política razoavelmente preenchida.
E esta é uma questão nuclear de alteração de comportamentos, de alteração de atitude, de alteração de valores, numa sociedade. E acho que uma sociedade é tão mais democrática, tão mais civilizada, quanto mais vir os vários níveis de participação social dos indivíduos como necessariamente compatibilizáveis para equilíbrio de todos e equilíbrio da sociedade em geral e até para uma coisa que cada vez mais as sociedades vão seguramente sentir que é a necessidade de se manterem as próprias sociedades, isto é, de continuar a haver famílias, de continuar a haver filhos, de continuar a haver mulheres disponíveis para simultaneamente fazerem tudo aquilo que a realização hoje lhes pede: a realização pessoal, familiar, profissional, política, etc.
Estamos a falar de qualidade da vida em sociedade, estamos a falar de qualidade da democracia, estamos a falar de enriquecimento da democracia, enfim, estamos a falar de uma coisa que me irrita particularmente que é qualquer ideia de que as mulheres fazem melhor. Não é nada disso. Não estou a falar de coisíssima nenhuma, as mulheres são tão capazes de fazer bem como de fazer mal, como os homens são capazes de fazer bem e de fazer mal. O problema também não é uma questão de competência, de valor, do que quer que seja porque também é um disparate, como é evidente, pensar que os homens têm mais competência, mais valor para falar de política do que as mulheres têm.
É evidente que não é assim, é evidente e basta olhar para a representação política que tem existido, que existe, para aqueles e para aquelas que fazem política para se perceber perfeitamente que não é nada disso de que a gente está a falar.
Há, portanto, um discurso oficial permanente a que temos assistido e há uma prática que é diferente a que
também temos assistido.
Julgo, hoje, e cada vez mais — aliás, há dias publiquei umas pequenas palavras num jornal diário — que o problema já não é só de compatibilização entre os vários aspectos da vida das pessoas, porque cada vez mais a gente vê mulheres e, em particular, mulheres jovens com altas qualificações académicas, em termos de educação, assumirem vidas profissionais muito complicadas de compatibilizar com aspectos da vida familiar.
E também olhando para os números, para a evolução da natalidade, da taxa de fertilidade em Portugal, vemos que há coisas que estão a acontecer. Vemos que, cada vez mais, as mulheres estão dispostas a fazer outras coisas.
O que não temos visto é estruturas partidárias cada vez mais dispostas a receber mais mulheres. E isso perturba--me particularmente, devo dizer, em relação às juventudes partidárias. Julgo que há aqui um entrosamento entre esta questão e uma outra que é a da renovação "do pessoal político, a da vontade dos cidadãos em geral e, em particular, dos cidadãos a quem reconhecemos mais qualidade em quererem fazer política.
Ora bem, nesta situação, com estas dificuldades, com esta enorme diferença entre a participação na vida política das mulheres e o que já é hoje a participação na vida social das mulheres em tantas outras coisas, fazer o quê?
A Constituição, do meu ponto de vista, é hoje mais exigente. Não diz necessariamente «faz-se isto ou faz-se aquilo», mas diz «tem de se fazer alguma coisa».
Não discuto do ponto de vista da legitimidade
constitucional o estabelecimento dc mínimos quantitativos
de participação das mulheres em órgãos de participação política. Não discuto a questão do ponto de vista da legitimidade constitucional. Tenho alguma dúvida em relação à questão de uma necessária ordenação nas listas de uma maneira ou de outra, mas não vou pôr a questão do ponto de vista da legitimidade constitucional. E acredito que, num determinado momento, pode ser necessário que a lei faça exigências deste tipo.
A minha reflexão ainda vai noutro sentido e vai sobretudo no sentido daquilo que com mais eficácia temos visto fazer noutros países. E volto à questão que o Sr. Prof. Jorge Miranda levantou da auto-regulação partidária.
Em Portugal já houve uma tentativa e essa tentativa não teve resultados ainda muito visíveis. Tem havido discursos oficiais, a questão hoje está a ser falada e, do meu ponto de vista, excessivamente em cima de eleições que, como sabem, vão ter lugar este ano. Porventura, esta grande proximidade já de eleições dificultará um pouco as coisas, e há uma certa tradição entre nós de não mudar as regras sobre as eleições, em cima da respectiva realização.
Mas, pela primeira vez, em Portugal — ainda excessivamente apenas entre mulheres — estas questões estão a ser discutidas de uma maneira mais activa e mais participada.
Apesar de saber que até agora isso não resultou senão em termos muito limitados, preferia ainda que os partidos fizessem, de uma maneira mais ou menos entendida entre eles, um esforço de auto-regulação neste domínio. Reparem que é aos mesmos partidos a quem cabe, na Assembleia