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II SÉRIE-A —NÚMERO 53

gislação avulsa e onde se cruzam interesses divergentes, é prematuro levar por diante reformas sectoriais sem que estas se articulem entre si e se compreendam numa concepção geral e coerente do direito orçamental. Acresce que a Constituição da República Portuguesa prevê que a matéria

relativa aos orçamentos do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais seja objecto de leis de enquadramento, que beneficiam do estatuto de leis de valor reforçado [cf. artigos 105.°, 106.°, 112.°, n.°3, e 164.°, alínea r), da

Constituição].

Assim, para além da própria Constituição, também as leis de enquadramento orçamental desempenham uma função paramétrica do direito orçamental português, que nelas encontra, por isso, a sua base conformadora. E entre essas leis destaca-se, pelo seu carácter paradigmático e modelar, a respeitante ao Orçamento do Estado. Daí que a definição dos princípios e dos objectivos da reforma orçamental, a consagração das suas opções de fundo e a força irradiadora das orientações gerais que deverão presidir a este sector do ordenamento jurídico apenas possam ter assento nas leis de enquadramento orçamental e, em particular, na lei de enquadramento respeitante ao Orçamento do Estado.

Deste modo, a necessária reforma do direito orçamental português não pode prescindir da reforma das leis de enquadramento dos orçamentos das entidades públicas. É destas e, em especial, das normas de enquadramento do Orçamento do Estado que há-de brotar o imprescindível impulso modernizador e racionalizador que deverá insuflar a subsequente reforma da legislação orçamental avulsa.

Daí que a presente proposta de lei tenha por objecto o enquadramento orçamental, cuja reforma se justifica e toma necessária também por um outro conjunto de razões, de diversa índole, que se passam a apresentar.

2 — O Programa do Governo e a reforma do enquadramento orçamental

A necessidade de reforma da lei de enquadramento do Orçamento do Estado decorre, também, do Programa do XJJJ. Governo Constitucional. Este inscreve, entre os seus principais propósitos, «a redução do défice público sem agravamento das taxas de impostos», «o início de uma trajectória descendente para a dívida pública, fazendo diminuir o seu peso no PIB», «uma gestão mais cuidadosa da despesa, com crescente economia, eficácia e eficiência, logrando melhor qualidade e produtividade na prestação dos serviços e na satisfação das necessidades colectivas», e, em termos gerais, a adopção de «uma visão moderna do desenvolvimento [...] que pressupõe uma nova relação entre o Estado e a sociedade, promovendo um conjunto de reformas institucionais que aumentem a eficiência e reduzam o peso burocrático do Estado». Ora, entre estas reformas deverá compreender-se a da disciplina do orçamento, que constitui o principal instrumento de decisão e de" gestão financeira do Estado e, por isso, forma um alicerce estruturante para a consecução de muitos objectivos do Programa do XIII Govemo Constitucional.

3 — O direito comparado

A necessidade de reforma da nossa legislação sobre o enquadramento orçamental toma-se mais notória quando se tem presente o direito comparado. Embora o simples mimetismo não possa fundamentar nenhuma reforma legislativa, a falta de atenção quanto à evolução das ordens jurídicas que nos são mais próximas também não deve ser causa de inércia no avanço e no aperfeiçoamento da legislação nacional.

Ora, um simples olhar sobre os diplomas legais que em diversos outros países estabelecem o quadro geral da disciplina dos respectivos orçamentos estaduais, e preenchem, assim, um lugar e uma função equivalentes aos que a Constituição da República Portuguesa atribui à lei de enquadramento do Orçamento do Estado, revela a abissal distância que separa esses diplomas da nossa Lei n.°6/91, de 20 de Fevereiro, em todos os aspectos: na forma e na estrutura, tal como no âmbito e no conteúdo. Pense-se, por exemplo, a este propósito, na Loí Organique relative aux Lois de Finances, de 1959 (França), na Ley General Presupuestaria, de 1977, e no seu texto refundido, de 1988 (Espanha), na Legge suirAmministrazione del Patrimonio e sulla Contabilità Genérale dello Stato, de 1923 (Itália), bem como nas reformas do Orçamento do Estado levadas a efeito, em Itália, através das Leis n."* 62/64, de t de Março, 468/78, de 5 de Agqsto, e 362/88, de 23 de Agosto, na Haushaltsgrun-dsãtzegesetz e na Bundeshaushaltsordnung, ambas de 1969 (Alemanha), no Gramm-Rudman-Hollings Act, de 1985, e no Budget Enforcement Act, de 1990 (Estados Unidos), e, num outro plano, no Regulamento Financeiro aplicável ao Orçamento Geral das Comunidades Europeias (1977).

4 — A Comunidade Europeia e a União Econômica e Monetária

A integração de Portugal na Comunidade Europeia, desde 1986, tem óbvios reflexos financeiros, sendo certo que muitos destes interferem com o Orçamento do Estado. Por outro lado, mais recentemente, o Tratado de Maastricht, o Pacto de Estabilidade e de Crescimento e a inclusão de Portugal na 3.° fase da União Económica e Monetária fixaram um conjunto de obrigações e de compromissos do Estado Português, com amplas repercussões no domínio das finanças públicas.

Não obstante, o regime do enquadramento orçamental manteve-se praticamente à margem desta profunda evolução da integração europeia, que reclama as necessárias adaptações no plano do direito interno, por forma a assegurar, por um' lado, a transparência dos fluxos financeiros entre a Comunidade Europeia e o Estado Português e, por outro, o respeito pelas obrigações decorrentes do Tratado que institui a Comunidade Europeia e da União Económica e Monetária.

5 — A tradição jurídica portuguesa

Por outro lado, importa recordar que, em Portugal, todos os regimes político-constitucionais minimamente duradouros produziram as suas reformas da disciplina jurídica do Orçamento do Estado, normalmente integradas em reformas mais amplas do sistema jurídico-financeiro.

Na vigência da Carta Constitucional, o período da monarquia constitucional deixou os seus monumentais Regulamentos Gerais da Contabilidade Pública (1863, 1870 e 1881), que constituíram autênticas codificações que coroaram os desenvolvimentos que o direito financeiro nacional foi conhecendo ao longo do século xtx, bem como, já na fase final da monarquia, a reforma operada pelo Decreto de 20 de Março de 1907 (Reforma de João Franco).

Na vigência da Constituição de 1911, a I República procedeu à sua reforma da legislação orçamental, através do Decreto com força de lei n.°5519, de 8 de Maio de 1919. E o mesmo fez o Estado Novo, mormente pelos Decretos com força de lei n.05 15 465, de 14 de Maio de 1928, e 16670, de 27 de Março de 1929.

Contudo, o mesmo ainda não fez o regime democrático, que se implantou após o 25 de Abril de 1974, pois não se