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3248 | II Série A - Número 077 | 15 de Março de 2003

 

PROJECTO DE RESOLUÇÃO N.º 132/IX
NOVOS RUMOS DA POLÍTICA CRIMINAL - RESPONSABILIDADE PENAL DAS PESSOAS COLECTIVAS E MEDIAÇÃO PENAL

1 - Enquadramento

Tendo em consideração a necessidade de dar cumprimento a diversas imposições comunitárias com impacto no Código Penal e no Código do Processo Penal e a exigência de dar resposta ao clamor social que determinadas matérias penais suscitam, o XV Governo Constitucional está a proceder a uma revisão global e concertada, profunda e ponderada daqueles diplomas.
O Governo avisadamente decidiu não proceder, neste processe de revisão, à reforma de fundo que a intervenção legislativa em determinadas matérias penais e processuais penais exigiria. Na verdade, tal reforma constitui, face à actual filosofia do Código Penal e do Código do Processo Penal, uma revolução (ou mesmo ruptura) dos tradicionais paradigmas jurídico-criminais. As matérias que inspiram a reforma da política criminal que aqui se lança exigem - pela sua complexidade e pela controvérsia que inevitavelmente suscitam - um estudo aprofundado, uma discussão pública fecunda e um consenso largado, pelo que não podem ser tratadas ao nível da actualização da legislação penal que o Governo está a preparar, mas também não podem surgir completamente desligadas do caminho que o poder executivo começou a consistentemente trilhar.
Por tudo isto, os partidos que assumem a responsabilidade e missão de apoiar o governo do País na definição de estratégias para um Portugal mais justo não podem deixar de trazer à casa da democracia a construção e execução dessa reforma penal, tão relevante para os portugueses no melhor exercício dos seus direitos e deveres de cidadania.

2 - Dois casos paradigmáticos

Assim, e com o propósito de alcançar um elevado grau de legitimação, a Assembleia da República propõe-se iniciar um processo de estudo, análise, reflexão e problematização de matérias penais e processuais penais, que, ficando de fora da actual revisão do Código Penal e do Código do Processo Penal, terão, todavia, de ser objecto de futuro (mas próximo) trabalho legislativo.
Sem prejuízo das inúmeras matérias que merecem devida reflexão e análise (matérias essas relacionadas, sobretudo, com a avaliação dos actuais paradigmas penais e processuais penais), os grupos parlamentares proponentes consideram que são duas as grandes questões que, desde logo, merecem a reflexão do Parlamento. A saber:

a) Responsabilidade penal das pessoas colectivas;
b) Mediação penal.

Quanto à responsabilidade penal das pessoas colectivas, diversas decisões-quadro do Conselho, versando sobre diferentes áreas, prevêem a responsabilização penal de pessoas colectivas. Assim, por exemplo, a decisão-quadro do Conselho, de 19 de Julho de 2002, relativa à luta contra o tráfico de seres humanos, determina, no seu artigo 4.º, que os Estados-membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as pessoas colectivas possam ser consideradas responsáveis por infracções que consubstanciem tráfico de seres humanos, "quando cometidas em seu benefício por qualquer pessoa, agindo individualmente ou enquanto integrando um órgão da pessoa colectiva, que nele ocupe uma posição dominante baseada:

a) Nos seus poderes de representação da pessoa colectiva; ou
b) Na sua autoridade para tomar decisões em nome da pessoa colectiva; ou
c) Na sua autoridade para exercer controlo dentro da pessoa colectiva".

Estes diplomas, negociados no seio da União Europeia, implicam uma revisão profunda do Código Penal, uma vez que o actual artigo 11.º daquele diploma revela ainda o apego do legislador penal ao princípio societas delinquere non potost, determinando que, "salvo disposição em contrário, só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal".
Ora, se é certo que, em legislação penal avulsa, a responsabilidade penal de pessoas colectivas é já uma realidade (assim, por exemplo, o Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro, prevê a responsabilidade penal das pessoas colectivas, sociedades e meras associações pelas infracções previstas naquele diploma quando cometidas pelos seus órgãos ou representantes em seu nome e no interesse colectivo, consagrando ainda um sistema punitivo aplicável directamente a tais entidades), no Código Penal, pelo contrário, não encontramos ainda qualquer disposição que excepcione o carácter pessoal da responsabilidade penal, consagrado no artigo 11.º.
Já respondeu a doutrina às objecções mais comuns no que concerne à responsabilidade penal das pessoas colectivas, refutando as críticas de que estas não têm capacidade de suportar um juízo de censura ética (ou juízo de culpa) ou de serem até incapazes de uma verdadeira capacidade de agir.
Hoje a doutrina maioritária defende que a pessoa colectiva é perfeitamente capaz de vontade - que não é psicológica (por falta de estrutura biopsíquica), mas normativa - e que esta vontade colectiva é capaz de cometer crimes tanto como a vontade individual.
Por outro lado, o Conselho da Europa, reconhecendo que a empresa é, hoje, uma realidade que encontra na sua complexa estrutura um escudo de protecção para a actuação criminosa, e consciente de que se se não puder punir a própria pessoa colectiva muita da eficácia na luta contra o crime perde-se na impossibilidade da correcta determinação dos verdadeiros agentes que consubstanciaram a infracção no seio de uma estrutura empresarial complexa e dispersa, tem emitido resoluções e recomendações no sentido de os Estados-membros encararem a possibilidade de responsabilizar penalmente as pessoas colectivas.
Em face do exposto, e tendo sempre em conta que urge responder às imposições comunitárias (aceites pelo Estado português), o primeiro passo na revisão em curso do Código Penal foi proceder à responsabilização penal das pessoas colectivas, delimitada, porém, aos tipos penais que a legislação comunitária nos tem vindo a impor, não se criando um sistema global aplicável às pessoas colectivas:
Porém, consideramos urgente a criação de mecanismos, tendencialmente aplicáveis a todo o direito penal, de responsabilização penal das pessoas colectivas, relativamente a actos praticados pelos seus órgãos ou representantes, no seu nome e no seu interesse. Pretende-se que a responsabilização criminal das empresas atravesse horizontalmente