0019 | II Série A - Número 019S | 06 de Dezembro de 2003
e que devem ser sublinhados nesta nova fase da construção europeia.
Primeiro, o princípio da igualdade entre todos os Estados-membros da União. É um princípio que releva do facto indiscutível de, na base da União Europeia, estar a vontade de Estados que constituem a primeira organização política para nações que não prescindem da sua identidade. Segundo, o princípio da coesão e da solidariedade, sem o qual não pode haver qualquer forma de integração política. O projecto europeu não é meramente técnico ou económico. Sem coesão e sem solidariedade, a União Europeia careceria de sentido. Terceiro, o princípio do método comunitário, verdadeiro motor do processo de integração europeia.
À luz destes princípios fundamentais, consideramos uma boa base de trabalho o Projecto de Tratado Constitucional constitucional recentemente aprovado pela Convenção Europeia, mas desejamos esclarecer, debater e aperfeiçoar matérias que, legitimamente, nos suscitam ainda dúvidas ou reservas.
Desde logo, a questão da figura do futuro Presidente do Conselho Europeu. São legítimas algumas apreensões iniciais à consagração deste novo cargo. Trata-se agora de procurar assegurar que a Presidência do Conselho Europeu seja uma mais-valia para o bom funcionamento da União Europeia. Por essa razão, bater-nos-emos para que as funções do Presidente do Conselho Europeu fiquem claramente definidas por forma a minimizar potenciais conflitos inter-institucionais e de modo a evitar qualquer deriva no sentido de um directório europeu.
Parece-nos essencial que o titular deste novo cargo seja eleito de acordo com o princípio de "um Estado um voto" e não por maioria qualificada. É uma questão de respeito pela igualdade entre todos os Estados-membros, mas é também uma questão de respeito pela igualdade entre todos os cidadãos da União Europeia.
Os mesmos princípios enformam a posição de Portugal em relação à criação de um Ministro dos Negócios Estrangeiros da União. Esta figura poderá trazer maior coerência à acção externa da União Europeia, mas é essencial que fique dependente não só do Conselho Europeu como também da Comissão. Assim se preservará a sua natureza de modo a estar ao serviço da União Europeia e dos Estados-membros.
A repartição do poder entre os Estados-membros no processo da tomada de decisão é outra questão essencial e é mesmo aquela que tem dominado o debate europeu em alguns dos nossos parceiros. É importante relembrarmos a verdadeira natureza da União: uma União de Estados, mas também uma União de cidadãos. Sejam quais forem os critérios utilizados, a verdade é que o poder relativo de Portugal não permanecerá o mesmo. É uma evidência: a União Europeia vai passar de 15 para 25 Estados-membros. Se quisermos pôr a questão assim, "as fatias" de poder a distribuir serão necessariamente menores, mas ganhamos com o acréscimo de poder no seu conjunto.
Mas, atenção, o poder não é uma questão quantitativa, o poder não é uma questão aritmética; é uma questão política! Mas mais importante que o cálculo ou ponderação de votos em que os ganhos ou perdas de um país com a nossa dimensão são, ao fim e ao cabo, marginais, é a qualidade da nossa influência no processo de decisão. Temos a dimensão demográfica que temos, não podemos ser maiores, mas podemos e devemos ser melhores. É assim no plano externo, afirmando o reforço do projecto europeu e evitando uma posição marginal ou periférica, estando sempre no eixo de formação da vontade do plano europeu, mas é também assim no plano interno, porque aqui também se joga a questão do nosso poder no âmbito europeu, fazendo de Portugal um país credível, um país realmente moderno, um país verdadeiramente competitivo.
A composição da Comissão é outra questão de especial relevância. É essencial garantirmos um Comissário para Portugal. Estamos abertos a todos os aperfeiçoamentos, há várias soluções que nos servem, mas não podemos prescindir da consagração deste princípio elementar: o princípio da representação de todos os Estados-membros na Comissão Europeia.
Na área da política de segurança e defesa somos igualmente claros. Esta é uma dimensão da União Europeia que queremos ver reforçada. Queremos uma Europa aberta ao Mundo, nunca uma Europa fechada sobre si própria. Todos os Estados-membros que o queiram devem poder participar em cooperações com um número limitado de parceiros, tanto quanto possível segundo o modelo conhecido por cooperação reforçada. A União Europeia deve ser um pólo de inclusão e de aglutinação e nunca o seu contrário.
Por último, entre muitas outras questões que poderia invocar, e que, com certeza, durante o debate haverá tempo para tratarmos, quero fazer uma consideração sobre o preâmbulo do novo Tratado. Consideramos importante uma referência à herança judaico-cristã na formação da identidade europeia. É uma questão de verdade e de rigor histórico.
As mudanças que se antevêem na União Europeia são, de facto, profundas e este tipo de mudanças exige debate público e legitimação popular. É importante que o debate se faça, que os Portugueses participem, que a nossa sociedade não passe ao lado de opções essenciais para o seu futuro. Mas não basta debater; chegará o momento de os portugueses serem chamados a decidir. É desejável que se faça em Portugal um referendo sobre a nossa posição face à Europa.
Em primeiro lugar, porque as eleições europeias são o momento, por excelência, do grande debate europeu. Em segundo lugar, porque essa é a forma mais eficaz de garantir uma ampla participação popular no referendo, assim criando as condições para o seu carácter vinculativo. E também por uma questão de elementar bom senso, sobretudo num ano - 2004 - em que Portugal terá, pelo menos, dois actos eleitorais: as eleições europeias e as eleições regionais dos Açores e da Madeira.
Mas para que isto possa ser assim, não haja qualquer dúvida ou ilusão, é necessário um consenso no sentido da alteração da Constituição. Fazer o referendo europeu no mesmo dia das eleições europeias só depende do apoio do Partido Socialista. Por isso, faço aqui um apelo ao maior partido da oposição: é, de facto, importante o seu espírito de abertura e de cooperação. Poucos compreenderiam a sua recusa.
E não me digam que é menos transparente ou menos democrática a solução de fazer coincidir num mesmo dia referendo europeu e eleições europeias. É a solução que será adoptada por vários países europeus, por exemplo na nossa vizinha Espanha, que, justamente, está a alterar a lei (uma lei orgânica) de modo a tornar possível tal simultaneidade. Por isso, eu disse - e penso que, ao dizê-lo, reforcei muito a capacidade negocial de Portugal -, agora, no início dos trabalhos da Conferência Intergovernamental,