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0008 | II Série A - Número 030 | 30 de Junho de 2005

 

PROJECTO DE LEI N.º 119/X
APROVA A LEI DE BASES DA ÁGUA

Exposição de motivos

A água, elemento contínuo no ciclo hidrológico, é parte integrante e fundamental do constante movimento e evolução da natureza, determinante da composição atmosférica, do clima, da morfologia, das transformações químicas e biológicas, das condições de toda a vida na Terra, sendo insubstituível e essencial nas suas funções de suporte à vida e ao bem-estar humano, bem como à maioria dos processos produtivos. A vida e as actividades humanas dependem dessa circulação comum que liga todos os seres vivos, passados, presentes e futuros.
Mas cada uso repercute-se no funcionamento do ciclo da água e nos processos associados, desencadeando, para além do propósito desejado, uma sucessão de efeitos próximos e remotos na natureza, que por sua vez arrastam uma cadeia de repercussões sociais directas e indirectas.
Os efeitos sociais agudizam as desigualdades existentes, pois o desígnio directo do decisor é satisfeito e as consequências negativas recaem sobre outros, penalizando principalmente os mais vulneráveis e desprotegidos e delapidando as condições de vida das gerações futuras.
O uso da água não pode ser tratado na perspectiva da sua apropriação nem do seu comércio, mas como a participação num fluxo em harmonia de processos dinâmicos, com dimensão no tempo e no espaço determinando transformações permanentes e interligadas. Não há lugar a individualismo, nem a competição, nem à procura de mais-valias de curto prazo. A menos que se queira agravar as iniquidades actuais e hipotecar o futuro.
O direito da água tem de defender essa circulação comum, defendê-la das intervenções abusivas de indivíduos isolados e colectivos, mas também do imediatismo e arbitrariedade de decisores públicos e do desinvestimento visando a protecção do interesse comum e do futuro. Em simultâneo, têm de ser instituídos instrumentos efectivos que garantam a cada pessoa o gozo dos seus direitos, não apenas o direito à vida e o direito à saúde, mas também os direitos económicos e, em particular, a utilização da água como meio ou factor de produção, o direito ao ambiente e à natureza, assim como o direito de participação nas decisões sobre a água.
A verdade é que o direito da água actualmente em vigor não cumpre essa função.
Para além de incoerente é inconsistente, porque, depois da última tentativa de reordenação que se processou entre 1917 a 1919, a produção legislativa no domínio da água tem consistido na produção avulsa de diplomas, que tornaram o enquadramento jurídico e institucional português da água num intrincado de legislação dispersa, desconexa e parcialmente revogada.
Mantém na sua base os conceitos do direito romano da água, adaptado pelo Código Napoleónico e essencialmente centrado na hidráulica fluvial e na captação de águas superficiais, com um forte papel de administração do Estado e estritamente associado ao regime de propriedade da terra.
É ainda esse "direito clássico da água" que constitui a base de ligação com o direito geral, mas quase irreconhecível devido às sucessivas alterações e revogações de que tem sido alvo.
À desfiguração deste direito clássico da água foi sendo mais recentemente apensa uma profusão de diplomas essencialmente regulamentares e normativos, que transcrevem, mais do que transpõem, directivas e normas europeias e pretensamente corresponderiam ao "novo direito da água", centrado na qualidade da água, no combate à poluição e nas questões ambientais e que releva cada vez mais a protecção das águas subterrâneas.
As políticas da água têm vindo a centrar-se na obtenção de receitas financeiras e na eliminação de despesas com os bens públicos, e alijamento das responsabilidades do Estado na administração, valorização e monitorização da água e na fiscalização das utilizações.
A situação actual é de um incumprimento generalizado por parte dos particulares e do Estado, tornou-se habitual a violação sistemática da legislação, sendo o Estado prevaricador contumaz. A maioria das utilizações da água instalada está em situação de contra-ordenação, não se encontrando, sequer, inventariadas. As rotinas de monitorização violam a legislação pela insuficiência de parâmetros medidos e pela baixa frequência, quando não são completamente omissas.
Verifica-se uma utilização descontrolada e degradação crescente do estado das águas, a insegurança e a degradação da qualidade de utilizações públicas e privadas, o abastecimento doméstico de origens impróprias, as inundações e escassez cada vez mais frequentes e com efeitos pessoais, sociais, ecológicos e económicos mais graves, o inquinamento de aquíferos e fontes naturais, a eutrofização das águas todos os anos, a decadência vertiginosa dos ecossistemas aquáticos e particularmente dos recursos piscícolas.
Releva ainda o atropelo dos direitos dos cidadãos, reconhecidos na Constituição da República Portuguesa e mais directamente relacionados com a água, que não são na prática exercidos nem considerados na legislação específica da água.
O actual contexto legislativo e institucional não proporciona as condições indispensáveis a uma melhoria necessária do estado das águas, assim como não assegura os direitos dos cidadãos relativamente à utilização