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0012 | II Série A - Número 068 | 10 de Dezembro de 2005

 

Em França, a Lei Le Chapelier, um paradigma legislativo liberal, no seu artigo 4.º, declarava "inconstitucionais, atentatórias da liberdade e da declaração dos direitos do Homem e nulas e de nenhum efeito" as deliberações ou convenções de trabalhadores da mesma profissão destinadas a concertar preços de mão-de-obra (in Barros de Moura, Convenção Colectiva entre as Fontes de Direito de Trabalho, pág. 38 - Almedina, 1984).
Muito cedo a realidade desmascarou a ficção em que assentavam os cânones do liberalismo económico.
Na prática, a dependência primordial de muitos em relação a muito poucos detentores de capital permitiu que estes últimos, exclusivamente movidos pelo lucro e sem intervenção estatal que os limitasse, praticassem uma exploração desenfreada e cruel que produziu o quadro do "capitalismo selvagem", abundantemente retratado na literatura da época: uma classe operária incrivelmente miserável, composta de adultos e de crianças com mais de seis anos de idade, sobrevivendo com salários criminosamente baixos, sem assistência médica, sujeita a todo o tipo de doenças profissionais, morrendo prematuramente na maior degradação física e moral, ao lado de um verdadeiro exército de desempregados esfomeados, garante da manutenção deste estado de coisas.
Concentrados em grandes centros de produção intensiva e dominando as técnicas dos ofícios que exerciam, estes contingentes operários, sem nada de seu a perder, tomaram consciência da sua condição e passaram a organizar entre si formas de luta progressivamente mais eficazes contra a exploração desenfreada de que eram alvo - sabotagem, protestos colectivos, greves, a que o patronato respondia com despedimentos arbitrários em massa, a repressão violenta com recurso às forças policiais, o encerramento de fábricas (lock-out).
Data de 1831 o primeiro movimento operário organizado em França, em que os Cannuts de Lyon chegaram a conseguir impor uma tarifa mínima aos fabricantes. A insurreição terminou com uma intervenção militar, mas desde então o Movimento Operário não cessou de crescer e de se desenvolver, ao mesmo tempo que se expandiam as ideias socialistas, particularmente em França, na Inglaterra e na Alemanha onde a Revolução Industrial avançava.
Seguiu-se, também em França, a Revolução de 1848, a luta pela supressão do direito de coligação e a proibição da greve em 1864, sob Napoleão III, a constituição da Associação Internacional dos Trabalhadores em 1866, e a Comuna de Paris em 1871.
Estas lutas colectivas forjaram fortes associações de trabalhadores que, actuando como representantes da vontade colectiva, superavam, frente ao patronato, a inferioridade negocial do operário individual que, assim nivelada com a daquele, passou a permitir vitórias significativas nas suas reivindicações: aumento de salários, redução da jornada de trabalho e melhoria de condições nos locais de trabalho.
Por outro lado, a permanente desestabilização, verdadeira ameaça de desintegração dos fundamentos da ordem económica e social vigente - a própria ordem capitalista - acabaram por determinar a intervenção do Estado na regulação da relação jurídica laboral no sentido de moderar a prossecução incondicional do lucro por parte dos detentores de capital e assegurar um conjunto de direitos mínimos, tendentes a defender a mão-de-obra de um esgotamento precoce a que a condenava, e se condenava, o capitalismo.
Desde então, não mais parou o alargamento do âmbito de intervenção do Estado na economia e nas relações laborais, fundamentalmente determinada pela necessidade de reduzir as tensões entre o capital e o movimento operário organizado, e por isso cada vez mais no sentido da compensação da inferioridade negocial dos trabalhadores.
Formou-se assim lentamente o direito do trabalho, autonomizando-se do direito civil, em três vertentes: através da regulação directa das relações de trabalho individuais, do estabelecimento de normas de relacionamento entre trabalhadores e empregadores, por um lado, e o Estado, por outro, e do reconhecimento e enquadramento legal da autonomia colectiva na determinação do conteúdo das relações laborais através da legalização das associações dos trabalhadores e das suas formas de luta, designadamente a greve.
Com a I Guerra Mundial e a Revolução Soviética de 1917 o liberalismo económico chegou ao fim. Por um lado, a guerra exigiu do Estado a orientação apertada da economia, por outro lado, a Revolução Soviética, ameaçando a ordem capitalista em geral, reforçou o poder do Movimento Operário Mundial.
Formou-se e desenvolveu-se deste modo o Estado social actual, a que Keynes atribuiu a função de "tábua de salvação do capitalismo".
"O reconhecimento pela ordem jurídica dos sindicatos operários e do seu direito de celebrarem contratos aplicáveis a todos os membros da categoria por eles representada (contratos colectivos) - quando ocorre, embora tardiamente e em consequência de uma luta encarniçada - vem também alterar de maneira profunda o contrato de trabalho introduzindo limitações à autonomia da vontade das partes e superando o carácter meramente individual da relação de trabalho: na realidade, quando os assalariados deixam de se contrapor isoladamente ao patrão, e podem recorrer ao sindicato como representante da colectividade por eles constituída, é em certa medida a igualdade real entre as que se estabelece ou, melhor, a desigualdade que se atenua". (José Barros de Moura, "A Convenção Colectiva Entre as Fontes de Direito do Trabalho", págs. 41/42 - Almedina, 1984).