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16 | II Série A - Número: 084 | 26 de Maio de 2007

princípio democrático que obsta a que seja deixada ao acaso ou confiada a quaisquer pré-compreensões a orientação das autoridades que promovem a acção penal.
O Governo, enquanto autor desta iniciativa, entendeu assim que este princípio democrático obriga os órgãos de soberania legitimados para o efeito — a Assembleia da República e o Governo — a exercerem as suas competências, delineando uma política que consagre estratégias de prevenção e de repressão da criminalidade e reparação dos danos individuais e sociais por ela causados.
Na medida em que não pretende nem permite, por si mesma, isentar quaisquer crimes dos correspondentes procedimentos ou sanções, a definição da política criminal situa-se num plano abstracto, de forma a não permitir a manipulação de processos concretos nem prejudicar o princípio da legalidade.
Trata-se apenas de estabelecer objectivos, prioridades e orientações, tendo em conta, em cada momento, as principais ameaças aos bens jurídicos protegidos pelo direito penal, devendo as prioridades definidas respeitar as valorações do legislador constitucional, designadamente em sede de direitos, liberdades e garantias.
Apesar do primado do princípio da legalidade consagrado, entre outras normas, no n.º 1 do artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa
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, o Código de Processo Penal já contempla emanações de um princípio da «oportunidade mitigado», que determinam a compressão do jus puniendi e são ainda compatíveis com o programa constitucional de direito penal. A suspensão provisória do processo, o arquivamento em caso de dispensa de pena, o processo sumaríssimo e o julgamento por tribunal singular de processos por crimes puníveis com pena de prisão superior a cinco anos, mediante requerimento do Ministério Público, constituem exemplos paradigmáticos desta orientação.
O destinatário das orientações sobre a pequena criminalidade é, de acordo com esta proposta, o Ministério Público, enquanto titular da acção penal, uma vez que dele depende a iniciativa de recorrer aos chamados mecanismos de oportunidade. De todo o modo, é respeitado o princípio da legalidade e ficam salvaguardadas a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público — estando excluída a manipulação de quaisquer processos —, dado que a este sempre competirá avaliar, em concreto, a pertinência de cada promoção processual.
Não assumindo força obrigatória geral, parece que a proposta de lei n.º 127/X, ao definir os objectivos, prioridades e orientações de política criminal, não põe em causa, de forma directa ou indirecta, a independência dos tribunais, decorrente do princípio da separação e interdependência de poderes a sua exclusiva subordinação à lei, a começar pela lei constitucional (artigos 203.º e 204.º da Constituição). Por seu turno, a autonomia do Ministério Público, consagrada nos termos do n.º 2 do artigo 219.º da Constituição, é salvaguardada por não poderem ser emitidas directivas, ordens ou instruções referentes a processos determinados, seja pelo Governo seja pela Assembleia da República.
Em suma, os termos da proposta em apreciação implicam que o Governo, o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal assumam os objectivos, adoptem as prioridades e observem as orientações de política criminal, afectando aos processos por crimes a que estas se reportam os recursos humanos e materiais adequados.
Não é admissível a selecção casuística de inquéritos prioritários nem a promoção da impunidade de certos crimes, verificando-se, assim, um respeito integral pelo princípio da legalidade, tanto na sua dimensão substantiva, como na sua vertente processual, que impõe a instauração de processo uma vez adquirida a notícia do crime e verificadas as respectivas condições de procedibilidade.
Conforme refere a Dr.ª Francisca Van Dunen, Procuradora-Geral Adjunta e Directora do Departamento de Investigação e Acção Penal, em declarações transcritas na acta da reunião do Conselho Superior de Magistratura, de 4 de Janeiro de 2006: «(…) é um dado de facto que, na prática do dia-a-dia, existem já critérios e prioridades na perseguição penal, resultantes desde logo da circunstância de os processos não serem despachados rigorosamente pela ordem em que entram nos tribunais, ou nos gabinetes dos magistrados. E concedendo não ser exigível que assim seja, face ao princípio da legalidade, entende que deve haver regras claras e transparentes, que não deixem inteiramente à decisão individual a hierarquia temporal da perseguição penal. 1 Capítulo IV Ministério Público

Artigo 219.º (Funções e estatuto)

1 — Ao Ministério Público compete representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como, com observância do disposto no número seguinte e nos termos da lei, participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática.
2 — O Ministério Público goza de estatuto próprio e de autonomia, nos termos da lei.
3 — A lei estabelece formas especiais de assessoria junto do Ministério Público nos casos dos crimes estritamente militares.
4 — Os agentes do Ministério Público são magistrados responsáveis, hierarquicamente subordinados, e não podem ser transferidos, suspensos, aposentados ou demitidos senão nos casos previstos na lei.
5 — A nomeação, colocação, transferência e promoção dos agentes do Ministério Público e o exercício da acção disciplinar competem à Procuradoria-Geral da República.