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19 DE MARÇO DE 2015 27

Paralelamente, o RASI identificou também, no âmbito de criminalidade conexa ao tráfico de seres humanos,

a ocorrência de, pelo menos, 98 crimes de lenocínio e pornografia de menores, tendo sido realizadas 21 ações

operacionais de combate ao cibercrime associado a exploração sexual de menores.

Dispõe o artigo 69.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) que «as crianças têm direito à proteção

da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de

abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais

instituições». Constitui, assim, um direito fundamental das crianças à proteção, não apenas do Estado e dos

poderes públicos, como também da «sociedade», conceito que integra a família (e inclui os progenitores), bem

como outras instituições da sociedade (creches, escolas, entidades de culto, entre outras)1.

Saliente-se o facto de, embora a Lei Fundamental não defina os limites do conceito «criança», relevar o

conceito da Convenção sobre os Direitos da Criança2, cujo artigo 1.º dispõe que «criança é todo o ser humano

menor de 18 anos, salvo se, nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo». Por sua

vez, o Código Civil (texto consolidado) segue neste mesmo sentido ao prever que a maioridade é atingida aos

18 anos (artigos 122.º e 130.º), podendo o menor ser emancipado pelo casamento (artigo 132.º) a partir dos 16

anos [artigos 1600.º e 1601.º, al. a)].

Por outro lado, importa referir que o «desenvolvimento integral» da criança constitui o objetivo primordial da

proteção a conferir pela sociedade e pelo Estado, entendendo a doutrina3 que o significado desta expressão

deve ser aproximado da noção de «desenvolvimento da personalidade» previsto no artigo 26.º, n.º 1, da CRP.

Esse desenvolvimento assenta em dois vetores: em primeiro, na garantia constitucional de dignidade da pessoa

humana, prevista no artigo 1.º da CRP; o segundo, na «consideração da criança como pessoa em formação,

elemento dinâmico, cujo desenvolvimento exige o aproveitamento de todas as suas virtualidades»4.

Os artigos do Código Penal (texto consolidado) que a proposta de lei n.º 772/XII se propõe alterar encontram-

se inseridos na Secção II do Capítulo V, intitulada «crimes contra a autodeterminação sexual». O crime de abuso

sexual de crianças, previsto no artigo 171.º do Código Penal, surgiu pela primeira vez na reforma do Código de

1995. Com esta introdução, o legislador pretendeu criar uma tutela penal das crianças até 14 anos no domínio

sexual, estendendo-se a proteção da autodeterminação sexual a situações que não seriam crime se praticadas

entre adultos.

Com a revisão de 1998, tiveram lugar alterações que Jorge de Figueiredo Dias considera ser «a

“desnaturação” deste tipo de crime (posteriormente, em alguma medida, corrigida) que se traduzia em incluir na

tutela penal sexual de crianças atividades que nada tinham a ver com uma tal tutela, mas com a exploração

comercial ou económica, ilícita embora ou até criminosa, de material pornográfico», o qual, com a revisão de

2007, seria incluído no novo preceito da pornografia de menores5.

Assim, no caso do artigo 171.º do Código Penal, o bem jurídico protegido são as «condutas de natureza

sexual que, em consideração da pouca idade da vítima, podem, mesmo sem coação, prejudicar o livre

desenvolvimento da sua personalidade, em particular na esfera sexual»6.

Relativamente ao artigo 172.º do Código Penal (abuso sexual de menores dependentes), o bem jurídico

protegido permanece o livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual, embora este preceito

vinque a ideia de que a liberdade e a autodeterminação sexual de adolescentes entre os 14 e os 18 anos, que

estejam confiados a um terceiro para educação ou assistência, justifica uma proteção especial, sendo este um

princípio que resulta da existência de uma especial relação de dependência7.

Por sua vez, e sempre com o livre desenvolvimento da sexualidade do menor como bem jurídico protegido,

no artigo 173.º do Código Penal (atos sexuais com adolescentes), essa proteção é limitada a menores de idade

entre os 14 e os 16 anos, «face a processos proibidos de sedução conducentes à prática de atos sexuais de

1 Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO, VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada: Artigos 108.º a 296.º, Vol. II, 4.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2010, p. 869. 2 Adotada pela Assembleia-Geral das Nações Unidas a 20 de novembro de 1989 e ratificada por Portugal através da Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12 de setembro, e do Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12 de setembro. 3 Cfr. J. J. GOMES CANOTILHO, VITAL MOREIRA, op. cit., p. 869. 4 Idem, ibidem, pp. 869 e 870. 5 Cfr. JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, “Artigo 171.º: Abuso sexual de crianças”, in Jorge de Figueiredo Dias (ed.), Comentário Conimbricense do Código Penal: Parte Especial – Artigos 131.º a 201.º, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 833. 6 Idem, ibidem, p. 834. 7 Cfr. MARIA JOÃO ANTUNES, “Artigo 172.º: Abuso sexual de menores dependentes”, in Jorge de Figueiredo Dias (ed.), Comentário Conimbricense do Código Penal: Parte Especial – Artigos 131.º a 201.º, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p. 846.