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2 DE DEZEMBRO DE 2020

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de Deus) e a rejeição da discriminação e exclusão sociais, pelo que se terá de perguntar se há algo mais cristão

e fraterno que este programa de vida», não deixam de reconhecer que «o uso dos conteúdos referidos possa

ser motivo de crítica; de resto, tal ocorre com qualquer outra disciplina».

Ainda a título de exemplo, podemos referir a frase de Frei Bento Domingues, da Ordem dos Pregadores

(Dominicanos), inserta num artigo publicado a 13 de setembro de 2020 no jornal Público, «A marca cristã da

Escola Católica»: «Não consegui (…) descobrir a maldade que possa existir nas Linhas de Orientação para a

Educação para a Cidadania.»

Para terminar com outro exemplo de uma autora reconhecidamente participante de uma mundividência cristã,

podemos referir o texto de Isabel Stilwell, publicado no Jornal de Negócios de 1 de setembro de 2020 com o

título «Eu também nunca teria ido à escola». O título remete diretamente para o questionamento dos contornos

de um caso particular estreitamente relacionado com a polémica pública, exemplificando com a sua própria

experiência o que seria se todas as famílias perfilhassem essa modalidade de relação com a escola: se o seu

pai tivesse a mesma atitude «nunca me teria mandado à escola, ou pelo menos frequentar a disciplina de

História, porque, como historiador e inglês que era, discordava violentamente da forma como na escola

portuguesa nos era ensinado o episódio do Ultimato. (…) E se o meu pai fosse de uma etnia ou crença religiosa

que defendesse que a escola não era para meninas, lá ficava eu em casa (…).» E acrescenta alguns elementos

relevantes para uma reflexão acerca do essencial do que aqui está em causa: questionar o projeto de uma

família fechada sobre si mesma (contrastando com a família em que viveu: «felizmente, os meus pais

acreditavam em si próprios. No seu exemplo, e nos nossos neurónios. Acreditavam na força dos argumentos

com que defendiam os seus valores, na fundamentação das suas convicções, e na nossa capacidade para

aprender a esgrimir as nossas, mesmo em ambientes hostis. Acreditavam, até, na nossa liberdade de escolher

uma opinião diferente da sua.»; questionar uma excessiva infantilização dos filhos alunos por alguns pais («o

que mais me confunde (…) é a ideia que têm dos seus próprios filhos e dos adolescentes em geral, imaginando

que precisam de ser defendidos ao limite (inclusivamente faltando às aulas) das ‘ideias perigosas’»); defender

a validade da experiência do pluralismo («se é verdade que o Estado não pode programar a educação de acordo

com certa ideologia, filosofia ou estética, de modo a criar um pensamento único (…), isso não significa que as

ideologias, a filosofia ou a estética sejam postas fora dos conteúdos escolares. O que importa é que o sejam de

uma forma aberta e plural de modo a fomentar o pensamento crítico. E o pensamento crítico só se forma se for

exposto ao contraditório.»)

Julgo serem estes exemplos (há outros) suficientes para desacreditar qualquer tentativa para criar uma

fronteira religiosa em torno desta questão – e esta clarificação é essencial para evitar a poluição de um debate

importante.

II

Está, necessariamente, tudo bem com a implementação da componente de Cidadania e Desenvolvimento?

Creio que ninguém se atreveria a responder «sim» – nem para esta componente, nem para qualquer outra

componente ou disciplina.

Não bastará a invocação dos temas genéricos da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, e constatar

que são temas justificáveis e desejáveis, para justificar a disciplina em todos os aspetos da sua implementação

efetiva – a qual só acontece, concretamente, em cada comunidade educativa, em cada comunidade escolar, em

cada escola, em cada turma, em cada sala de aula, em cada interação educativa. Há mecanismos para o debate

cidadão de todos esses aspetos, incluindo o debate dos próprios currículos no plano nacional (que sempre

envolvem consultas as mais variadas), mas incluindo também, e de forma determinante, os mecanismos locais

para envolver todos os interessados no projeto educativo. Seria útil que esses mecanismos fossem sempre

preferidos por todos os intervenientes, para tentar a melhor aproximação possível aos interesses das crianças

e jovens alunos, evitando o «recurso contencioso» ao «tribunal de apelação» do confronto político com intenção

fraturante, onde o interesse dos extremismos leva demasiadas vezes a melhor sobre o interesse das crianças e

jovens.

A sociedade tem, de qualquer modo, o direito a exigir, a quem quer que se disponibilize para o saudável

exercício democrático de debater em público estas questões, que se familiarize com os materiais envolvidos e