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II SÉRIE-A — NÚMERO 38

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adequadas ao contexto, enquadradas no projeto educativo e noutros instrumentos estruturantes da escola» [cf.

alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º]; «Envolvimento dos alunos e encarregados de educação na identificação das

opções curriculares da escola» [cf. alínea e) do n.º 1 do artigo 4.º].

Os pressupostos

Depois de termos analisado especificamente a norma proposta, do ponto de vista da sua articulação com o

regime legal em vigor – há menos de dois anos – para o currículo dos ensinos básico e secundário e os princípios

orientadores da avaliação das aprendizagens (Decreto-Lei n.º 55/2018, de 6 de julho), analisaremos os

pressupostos explicitados como motivação para a iniciativa legislativa. Analisaremos, em primeiro lugar, a

invocação constitucional explicitamente contida na exposição de motivos. Depois, analisaremos a invocação dos

direitos respetivos da família e do Estado na educação.

Primeiro, a invocação constitucional explicitamente contida na exposição de motivos, concretamente pela

referência ao n.º 2 do artigo 43.º da Constituição da República Portuguesa: «O Estado não pode programar a

educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.»

Essa proibição de «doutrinação oficial», designadamente em matéria educativa, é relevante – até porque ela

distingue claramente o regime democrático em que vivemos de outros regimes autoritários ou mesmo totalitários,

onde visões particulares do mundo são impostas à cidadania, o que normalmente ocorre com suporte em (e em

articulação com) meios repressivos destinados a impedir a livre expressão de mundividências alternativas.

Precisamente por ser relevante, e por traçar uma fronteira nítida com regimes facilmente distinguíveis

daquele que vigora no nosso país, importa não introduzir ruído nessa demarcação, importa não relativizar essas

diferenças. Efetivamente, essa proibição da «doutrinação oficial» nunca foi invocada para bloquear ações de

organização do processo educativo, nomeadamente aquelas que visam cuidar da qualidade científica ou

pedagógica dos materiais de ensino (por exemplo, estabelecendo procedimentos para selecionar manuais

escolares) ou, até, aquelas que sirvam para balizar o conteúdo global da escolaridade obrigatória

(estabelecendo os currículos). Do mesmo modo, a proibição de «doutrinação oficial» nunca serviu entre nós

para obliterar o ensino de quaisquer conteúdos validados por uma certa prevalência na comunidade científica,

embora seja concebível que certos conteúdos programáticos possam contrariar convicções religiosamente

influenciadas (um adepto do criacionismo pode considerar que a teoria da evolução natural é contraditória com

convicções religiosamente motivadas). Nem a proibição de «doutrinação oficial» serviu para afastar o ensino

conformado a valores constitucionalmente protegidos. Tudo isto sem prejuízo de que todos os elementos que

conformam o conteúdo educativo da escolaridade obrigatória sejam, com mais ou menos intensidade, objeto de

permanente e sistemático debate, entre especialistas e no público em geral.

Ainda no plano constitucional, cabe referir que o artigo 73.º (Educação, cultura e ciência), no seu n.º 2,

prescreve as formas pelas quais «O Estado promove a democratização da educação» e, do mesmo passo,

inscreve a educação numa série de valores, como sejam «a igualdade de oportunidades, a superação das

desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância,

de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação

democrática na vida coletiva.» A educação, designadamente através da escola, promove valores – valores

constitucionais, sem que se possa invocar a Constituição para considerar a promoção desses valores

constitucionais como «doutrinação oficial».

Cabe lembrar, ainda, que o preceito constitucional que afasta a doutrinação oficial em matéria educativa se

enquadra no artigo 43.º da CRP, que reconhece e garante «a liberdade de aprender e de ensinar» (n.º 1), a

qual, segundo pelo menos alguns constitucionalistas, pode entender-se como abrangendo «o direito de

conformar pessoalmente o próprio discurso docente» (cf. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da

República Portuguesa Anotada, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, anotação II ao artigo 43.º).

A invocação constitucional explicitamente contida na exposição de motivos, concretamente pela referência

ao n.º 2 do artigo 43.º da Constituição da República Portuguesa, é, de qualquer modo, mais rigorosa do que a

afirmação contida no primeiro parágrafo da exposição de motivos, quando aí se lê: «O Estado deve, por isso,

ser aconfessional, apolítico e ideologicamente neutro.» Se essa é uma opinião do proponente, não cabe

comentário nesta secção deste Parecer. Se a referência pretende, também, ser uma invocação constitucional,

ela merece uma clarificação.