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2 DE DEZEMBRO DE 2020

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Que, em Portugal, no respeito da CRP, o Estado seja não confessional não oferece dúvidas – embora essa

não-confessionalidade não pudesse ser invocada para proibir, por exemplo, o ensino de história das religiões

ou a inserção no currículo de um espaço para reflexão sobre o papel das religiões nas sociedades. Já, de outro

modo, merece ponderação a questão de saber se existe fundamento jurídico-constitucional para afirmar que o

Estado seja «apolítico» e «ideologicamente neutro».

A Constituição é, em si mesma, a base de uma escolha política fundamental, que é a escolha por um regime

democrático, em vez de um regime autoritário; toda a Constituição expressa um sistema de valores,

precisamente aqueles valores que são protegidos pelo texto constitucional. Seria necessário citar quase

extensivamente muitos capítulos da CRP para identificar todos os valores constitucionalmente protegidos, mas

basta citar uma norma para exemplificar de que modo a Constituição se afasta de qualquer quimérica

neutralidade para afirmar valores: «Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer

direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião,

convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.» (n.º

2 do artigo 13.º). No mesmo parágrafo onde ocorre a frase citada acima, o proponente inscreve uma defesa da

«pluralidade que enriquece a democracia e que o Estado tem obrigação de defender dentro do respeito pelos

Direitos Fundamentais consagrados na Constituição da República Portuguesa» – o que é absolutamente certo,

mas contraditório com um Estado apolítico ou neutro, porque estas afirmações incorporam, e bem, valores,

valores que merecem a proteção do Estado, proteção que não é neutra nem apolítica.

Segundo, a invocação dos direitos respetivos da família e do Estado na educação.

A exposição de motivos da iniciativa, depois da invocação (já analisada) do n.º 2 do artigo 43.º da Constituição

da República Portuguesa («O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes

filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.»), textualmente parece deduzir deste preceito (ao usar

o elemento de ligação «Assim, …») que «a oferta de uma disciplina de Cidadania no ensino público deve ser

sempre enquadrada nesta ‘aliança’ com as famílias, respeitando as convicções políticas, éticas e religiosas,

garantindo que a disciplina seja uma ajuda na formação cívica dos seus filhos e não a imposição de uma visão

‘oficial’ da cidadania».

Noutro momentos da exposição de motivos são apresentados outros aspetos da conceção dos papéis

respetivos da família e do Estado na educação:

– «É aos pais e à família que cabe o dever de educar os filhos e o Estado tem o dever de auxiliá-los nessa

missão. A Escola Pública é essencial para garantir que todos os pais têm a possibilidade de garantir o direito à

educação dos seus filhos, sendo a ‘aliança’ entre as famílias e a Escola essencial para o desenvolvimento

pessoal das crianças e jovens.»

– «a imparcialidade não foi suficientemente salvaguardada e há famílias que não se sentem confortáveis com

algumas das matérias abordadas na disciplina, atualmente de frequência obrigatória.»

– «(…) a oferta de uma disciplina como esta pode ‘chocar’ com a visão de alguns encarregados de educação

(…)».

Posto este enquadramento na motivação da iniciativa, é devida uma referência ao enquadramento

constitucional do papel da família em razão das crianças e da sua educação.

Na CRP, o artigo 36.º (Família, casamento e filiação) prevê que «os pais têm o direito e o dever de educação

e manutenção dos filhos» (n.º 5), onde «educação» assume um sentido mais vasto do que «ensino», no âmbito

de uma obrigação de cuidado parental. De colaborar na efetivação dessa obrigação não se dispensa o próprio

Estado, como resulta claramente da alínea c) do n.º 2 do artigo 67.º (que dá ao Estado a incumbência de

cooperar com os pais na educação dos filhos, dentro das suas tarefas de proteção da família) e do n.º 1 do

artigo 68.º (que retoma o papel da sociedade e do Estado na proteção dos pais e mães «na sua insubstituível

ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação»).

O artigo 73.º (Educação, cultura e ciência), no seu n.º 2, ao tratar da realização do direito de todos à

educação, contempla, sem exclusão de outras formas – nas quais contaremos, decerto, o contributo dos pais –

um papel reservado ao direito ao ensino, isto é, a «educação realizada através da escola». Já o artigo 74.º

(Ensino) apresenta um elenco alargado de obrigações do Estado na concretização desse direito através da

escola, nomeadamente na organização e disponibilização de um serviço público de ensino, especialmente no