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2 DE DEZEMBRO DE 2020

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Também acreditamos nisso – e entendemos que a forma e a substância do debate devem preservar esse

trabalho, para que ele possa ser melhorado e não destruído. A educação para a cidadania pode, e deve ser

melhorada – mas não deve ser destruída.

III

Aquilo que, na escola, fazemos – ou deixamos de fazer – com as crianças e jovens, tem efeitos na vida

dessas crianças e jovens. Convém notar, contudo, que esses efeitos não tocam apenas a formação das suas

opiniões – os efeitos de ter ou não ter determinadas oportunidades de aprender podem tocar os seus corpos e

os seus espíritos de formas muito concretas e por vezes muito brutais.

Dulce Rocha, Presidente Executiva do Instituto de Apoio à Criança e ex-Presidente da Comissão Nacional

de Proteção das Crianças e Jovens em Risco, em texto publicado a 9 de setembro de 2020 na sua página

pessoal, intitulado «Em defesa da disciplina de Cidadania e Desenvolvimento», põe a tónica nas exigências da

ação que vise combater a violência doméstica e a violência sexual dentro da família. Constatada a existência de

«centenas de vítimas que por esse mundo fora vieram denunciar as atrocidades sexuais cometidas em

internatos religiosos», é ainda «mais aterrador» saber «que o número mais extenso das vítimas resulta de crimes

praticados na família», mesmo quando sobre esse fenómeno caia um «muro de silêncio».

A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento contém matérias que são «decisivas, essenciais para combater

a violência familiar, designadamente a violência sexual». Porque essa é uma via de sensibilização de crianças

e jovens com consequências desejáveis: «Se estiverem em risco ou se forem vítimas de violência, terão mais

informação para se poderem defender ou saberem a quem recorrer para pedir apoio. Se, pelos exemplos

familiares, pretendessem seguir modelos violentos no namoro, poderão consciencializar-se da censurabilidade

dessas condutas violentas e virem a abster-se de as praticar». Essa pedagogia é necessária, porque hoje é

sabido que a violência doméstica causa, além de danos psíquicos, também danos físicos (na sequência das

pesquisas de Elisabete Blackburn, Prémio Nobel da Medicina em 2009, existe evidência científica de que a

exposição a violência grave e prolongada tem consequências fisiológicas que prejudicam a proteção do

organismo face a doenças e infeções).

Ainda segundo Dulce Rocha, esta perspetiva de proteção das crianças face à violência requer que se deixe

de «romantizar a vida familiar», que se deixe de «[fazer] crer que os maus tratos ou os crimes sexuais são

situações raras sem significado», porque essa abordagem é «um dos mais ancestrais meios utilizados para

encobrir crimes graves». E, claramente, as oportunidades de aprender que proporcionamos, ou rejeitamos, têm

um impacto na vida das pessoas que não queremos que sejam vítimas.

No mesmo sentido leio o contributo de Sónia Monteiro, intitulado «A escola, a sociedade e as ditas

ideologias», publicado a 1 de outubro de 2020 no SJ (O portal dos Jesuítas em Portugal). Aí se começa por

referir acontecimentos do mês de agosto em Varsóvia, onde dezenas de ativistas foram detidos enquanto

protestavam pacificamente nas ruas em favor dos direitos de liberdade e igualdade da comunidade LGBTQ – e

onde se relata o facto de o presidente daquele país ter considerado que tais protestos faziam parte de uma

«propaganda gay», que os direitos gay são uma ideologia chamada ideologia LGBT. E, depois de uma reflexão

rica que aqui não cabe reproduzir, termina defendendo que uma disciplina de educação para a cidadania faz

sentido porque «talvez prepare os alunos para olharem criticamente para os eventos como os que aconteceram

recentemente na Polónia, para que não venham a repetir-se cá».

O que permitimos ou impedimos que as crianças e jovens alunos aprendam… tem consequências. Devemos

pensar na responsabilidade que assumimos por essa via. Praticando uma verdadeira adesão a uma sociedade

pluralista – porque uma sociedade pluralista não é uma multidão de átomos isolados, onde a liberdade de cada

um apenas vive na indiferença face aos outros; uma sociedade pluralista é uma sociedade onde podemos e

somos capazes de sustentar as nossas posições e princípios, mas num diálogo informado, conhecedor e, só

assim, respeitador. Viver numa sociedade pluralista não é viver cada um fechado em sua casa e nas suas

próprias convicções, sem conversa.