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16 DE MARÇO DE 2021

63

pela procura do efeito valioso28

.

2.2.3. Num outro plano, algumas vezes convocado a este debate, ocorre sublinhar que a não punição do

suicídio (do suicídio tentado) não aporta argumentos cogentes quanto à legalização da eutanásia (ou do

suicídio assistido), sendo intuitiva a diferença radical que vai da intranscendência social do ato de quem põe

termo à sua vida, e a passagem para o nível da organização social. Como afirma Gustavo Zagrebelsky

(antigo Juiz e Presidente do Tribunal Constitucional italiano), em entrevista realizada em 201129

:«[s]e alguém

se mata, isso é considerado um facto, um mero facto que […] permanece dentro da sua esfera jurídica

pessoal. Porém, entrando em jogo outra pessoa, isso transforma a situação num facto social, mesmo que

isso envolva apenas duas pessoas: quem pede para morrer e quem a ajuda. Mais ainda se entrar nesse

processo uma organização, seja ela pública ou privada, como na Suíça ou na Holanda. […] Se a maioria dos

casos de suicídio deriva da injustiça, da depressão ou da solidão, o suicídio, como facto social, levanta uma

outra questão. A sociedade pode dizer, está bem, desaparece do caminho [va bene, togliti di mezzo], e nós

até te ajudamos a fazê-lo? Não é muito fácil? Mas o dever do Estado não é o contrário: dar esperança a

todos? O primeiro direito de cada pessoa é poder viver uma vida com sentido, correspondendo à sociedade

o dever de criar as condições. […] Uma coisa é o suicídio como facto individual; outra coisa é o suicídio

socialmente organizado. A sociedade, com as suas estruturas, tem o dever de cuidar, se possível; se não for

possível, tem, pelo menos, o dever de aliviar o sofrimento. […]»30

.

2.3. Encontramos, pois, no fulcro da opção legislativa instituída pelo Decreto n.º 109/XIV, a criação de um

procedimento geral de enquadramento de pretensões de morte medicamente assistida, em função do qual é

criado um grupo de destinatários – aqueles que preencham as condições definidas no n.º 1 do artigo 2.º –

elegíveis para a prática, sob tutela do Estado, da eutanásia. Caracterizamos esse grupo de pessoas como

aquelas que passam, diferenciadamente de outras pessoas, a dispor, por via do procedimento criado pelo

Legislador, dessa opção.

Ora, dispor de uma determinada opção – e usamos aqui a expressão no sentido de uma variável sujeita ao

controlo de alguém que, por isso, pode afetar, moldando-as de determinada forma, as tomadas de decisão

dessa pessoa31

–, ou seja, dispor de alternativas, cria diferentes possibilidades de condução de um processo

decisório, cria, enfim, uma (outra) «arquitetura de escolha» para quem dela(s) dispõe, com tudo o que isso –

consideremo-lo vantajoso ou não – possa implicar.

Com efeito, «[o]ferecer a alguém uma alternativa ao ‘status quo’ existente em determinada situação implica

que dois resultados passem a ser possíveis para essa pessoa. Só que, daí em diante, nenhum desses

resultados será ainda o que era possível anteriormente ao aparecimento da alternativa. Depois desta, passa-

se a poder escolher o ‘status quo’ ou a escolher a alternativa oferecida, mas não pode mais usufruir-se do que

representava o ‘status quo’ sem que isso se configure nos termos que passou a representar: uma escolha

[…]»32

. E, ter só o que correspondia ao status quo como padrão – como dado fixo que atua como que por

defeito –, pode configurar, em certos casos, uma situação vantajosa, evitando toda uma nova problematização

28

David Edmonds, Would You Kill the Fat Man?…, cit., pp. 28-34. 29

«Il diritto di morire non existe», Il Fatto Quotidiano di Silvia Truzzi, 14 Dicembre 2011, acessível na ligação seguinte: https://www.ilfattoquotidiano.it/2011/12/14/piazza-grande-il-diritto-di-morire-non-esiste/. 30

Em novembro de 2018, já no quadro do debate aberto em Itália pelo caso Cappato, o mesmo Juiz, em debate oral realizado a 25 desse mês («A chi appartiene la tua vita? L’eutanasia come diritto umano», disponível em https://www.youtube.com/watch?v=3riFXa3QDwl), afirmava (trata-se de transcrição de linguagem oral): «[…] Se querem a minha opinião, eu não sou favorável ao facto de o Estado… (o Estado nasceu historicamente para proteger a vida dos cidadãos: o Estado moderno, o Estado soberano, existe, diz-se classicamente, para defender os bens últimos dos cidadãos: a propriedade e a vida). Assim, eu penso que o Estado deve, antes de mais, fazer tudo o que seja possível para que um indivíduo não se encontre na situação de querer tomar uma decisão última deste género. Isto vale, em especial para o sofrimento moral. Porque, depois, se se dissesse que havia um direito, o que é que deveria acontecer? As nossas estruturas hospitalares deveriam fornecer as prestações para se exercer este direito, e assim despender dinheiro …, subtraindo os recursos necessários para as suas utilizações que deveriam ser primárias, prioritárias, isto é, as destinadas à cura, e ao apoio, também psicológico, das pessoas. Direi isto, acrescentando, todavia, que a solução baseada na compaixão, a que se pratica normalmente nas nossas estruturas operativas, deve ser aquela favorecida. Favorecida, com um único limite: evitar que a morte procurada seja determinada por interesses patrimoniais de potenciais herdeiros, ou seja, deve haver um cordão sanitário que exclua a especulação sobre estas coisas. Mas francamente, não sei se é um pensamento particularmente rigoroso de um ponto de vista jurídico. Para mim, se o Estado organiza as suas estruturas sanitárias públicas para determinar a morte, naturalmente que uma vez que se dá este passo, também se tem de permitir as estruturas privadas, por uma óbvia razão de igualdade, estruturas convencionadas, e por isso sobre esta faceta da morte procurada poder-se-ia construir um sistema substancialmente comercial. Vejam quantas dificuldades. […]». 31

Cfr. Thomas C. Schelling, The Strategy of Conflict, Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, ed. de 1980, pp. 3-4 e 158-160). 32

J. David Velleman, Beyond Price. Essays on Birth and Death, Open Book Publishers, Cambridge UK, 2015, p. 10.