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II SÉRIE-A — NÚMERO 97

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Processo n.º 173/2021

Plenário

Relator: Conselheiro Pedro Machete

(Conselheira Maria José Rangel de Mesquita)

Declaração de voto

Vencidos, pelas seguintes razões fundamentais:

1. O Acórdão viola, no nosso entender, o princípio do pedido.

A nossa posição diverge da maioria, em primeiro lugar, quanto ao sentido e extensão da pronúncia do

Tribunal, considerando a delimitação do pedido efetuada no requerimento inicial.

No âmbito do presente pedido de fiscalização preventiva, o objeto do processo foi delimitado no

requerimento dirigido ao Tribunal Constitucional, tendo o Presidente da República afirmado assumir como boa

a opção do legislador, a quem cabe, nos termos da Lei Fundamental, «permitir ou proibir a eutanásia, de

acordo com o consenso social, em cada momento». Neste sentido, ao pronunciar-se, nos termos em que o fez

na alínea a) do dispositivo, pela inconstitucionalidade da totalidade da norma constante do artigo 2.º, n.º 1, do

Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República, o Tribunal está a manifestar uma posição de princípio que, a

nosso ver, ultrapassa o alcance do objeto do processo definido no requerimento inicial que lhe foi submetido.

Para este efeito, o Tribunal, alegando que o requerimento identifica «as normas, cuja apreciação é pedida

ao Tribunal em termos não unívocos» e que «a referência na fundamentação do pedido apenas a certos

segmentos da norma constante de tal artigo, por si só, não é suficientemente clarificadora nem decisiva»,

entendeu que «à completude estrutural da norma corresponde, por força do sentido prescritivo que a mesma

encerra, uma unidade teleológica impeditiva de uma segmentação», alargando, por isso, o enunciado da

norma jurídica sindicada à norma «que consta do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto n.º 109/XIV, com todo o seu

conteúdo prescritivo (designadamente aquele que lhe é projetado a partir do número 3), enquanto norma

completa». Partindo deste recorte, considerou-se estar legitimada a aferição da conformidade das normas

sindicadas a título principal com o parâmetro constitucional do direito à vida, consagrado no artigo 24.º, n.º 1

da CRP.

Recorde-se que o n.º 1, do artigo 2.º, do Decreto n.º 109/XIV da Assembleia da República, considera

antecipação da morte medicamente assistida «… não punível a que ocorre por decisão da própria pessoa,

maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento intolerável, com

lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal, quando

praticada ou ajudada por profissionais de saúde». Esta previsão normativa comporta diversas dimensões,

desde logo, requisitos subjetivos – atributos da vontade –, e ainda requisitos objetivos (os pressupostos da

autorização). A não punibilidade da prática da ou da ajuda à antecipação da morte, por profissional de saúde,

depende da verificação dos ditos elementos objetivos – e apenas dois segmentos desta dimensão normativa

objetiva foram questionados pelo Presidente da República. Ora, ao contrário do entendimento resultante do

Acórdão, consideramos que esses elementos são lógica e normologicamente autonomizáveis – cindíveis – do

todo que compõe a norma. Assim, perante o pedido que foi submetido, o Tribunal, não sendo, evidentemente,

um mero autómato de silogismos, deve revelar uma compreensão adequada do seu específico lugar no

sistema jurídico-constitucional, limitando-se a confrontar a solução legislativa questionada com a Constituição,

em particular tratando-se de um processo de fiscalização abstrata preventiva da constitucionalidade. O que, a

nosso ver, é perfeitamente possível.

Sustenta o Acórdão, a este propósito, que redução do pedido conduziria a que a «linha divisória da esfera

ilícito-lícito não só passaria a ser outra – nomeadamente em função do pressuposto ou critério que tivesse sido

eliminado –, como, sobretudo, passaria a obedecer a uma diferente teleologia. Ora, tal como não seria

concebível em sede de fiscalização abstrata sucessiva que, na eventualidade de um juízo positivo de

inconstitucionalidade parcial incidente sobre apenas um desses critérios ou condições, a norma pudesse