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16 DE MARÇO DE 2021

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reconheceu, em termos amplíssimos, o direito fundamental a uma morte autodeterminada, entendido como

expressão de liberdade pessoal, sublinhando que essa decisão de forma alguma acarreta uma compressão da

dignidade da pessoa (constituindo, pelo contrário, a expressão final da prossecução da autonomia pessoal

inerente à dignidade humana). Na mesma linha, o Tribunal Constitucional da Áustria (G 139/2019-71, de 11 de

dezembro de 2020) considerou que, tendo em consideração a importância, no quadro do respetivo

ordenamento jurídico, da autodeterminação e da vontade da pessoa quanto à admissibilidade de tratamentos

médicos, mesmo nos casos em que estes são indispensáveis para assegurar a vida, não se justifica, em face

dos direitos constitucionais em jogo, proibir, sem exceção e em quaisquer circunstâncias, o auxílio ao suicídio.

Por seu turno, o Tribunal Constitucional italiano (Sentenza 242/2019, de 25 de setembro de 2019), ainda que

numa posição menos expansiva, julgou, também, inconstitucional, uma indiscriminada repressão penal da

ajuda ao suicídio, em circunstâncias delimitadas, entendendo que se o fundamental «relevo do valor da vida

não exclui a obrigação de respeitar a decisão do doente de pôr fim à própria existência, através da interrupção

de tratamentos médicos – mesmo quando tal exija uma conduta ativa, pelo menos no plano naturalístico, da

parte de terceiros (como o desligamento de equipamentos, acompanhado do subministro de sedação profunda

contínua e de terapia da dor) – não há razão pela qual o mesmo valor deva traduzir-se num obstáculo

absoluto, penalmente sancionado, ao acolhimento do pedido do doente de uma ajuda que permita subtraí-lo

ao decurso mais lento – tido como contrário à própria ideia de uma morte digna – que decorra da dita

interrupção dos mecanismos de suporte vital.» Não é, pois, necessário, um reconhecimento do direito

fundamental ao suicídio (que implicaria, no mínimo, a inconstitucionalidade da incriminação do auxílio ao

suicídio e, no limite, deveres estaduais positivos no sentido de garantir o seu exercício), para entender que a

absolutização da defesa da vida por parte do Estado, contra a vontade do titular do direito é, hoje, muito

dificilmente compaginável com as exigências jurídico-constitucionais decorrentes dos direitos à autonomia e

autodeterminação individuais. Por outro lado, a declinação da questão, no plano do direito comparado, não

tem partido, como faz o presente Acórdão, da consideração da assistência na morte como uma restrição do

direito à vida, ou da dimensão objetiva do bem vida. Dadas as premissas base das orientações que acima

descrevemos, a conceção acolhida no Acórdão merece-nos viva recusa, posto que se defende, precisamente,

uma (re)compreensão daquele direito, em termos que permitam articulá-lo, de modo côngruo, com a liberdade

e dignidade pessoais, reconhecendo que o direito à vida não equivale a um dever de viver em quaisquer

circunstâncias.

Por seu turno, o TEDH, no quadro da sua específica competência de garante dos standards mínimos de

proteção dos direitos consagrados na CEDH, tem vindo a traçar um caminho de progressiva permeabilidade

da Convenção às conceções favoráveis à descriminalização da morte assistida, conferindo uma importante

margem de apreciação aos Estados em matéria de regulamentação jurídica do fim da vida e na busca de

mecanismos de concordância prática entre «a proteção do direito à vida dos pacientes e a proteção do seu

direito à intimidade da vida privada e autonomia pessoal» (vejam-se, neste sentido, o Acórdão do TEDH

Lambert v. França, de 5 de junho de 2015).

2.2. Ora, é precisamente à luz das ideias de concordância prática entre direitos fundamentais em tensão,

em termos análogos àqueles que motivaram as decisões dos tribunais constitucionais congéneres do nosso, e

da margem de conformação do legislador democrático que entendemos que o juízo geral, no presente

processo, deve ser de não inconstitucionalidade. O mesmo parece, aliás, entender o próprio requerente, tendo

em atenção a delimitação que temos como correta do pedido.

Assim, no plano da dogmática constitucional, e situando-nos na análise do ordenamento jurídico-

constitucional nacional, cabe assinalar, antes de mais, que não existe, relativamente a esta questão, qualquer

caderno de encargos constitucional; ou seja, a Constituição não impõe aqui, ao contrário de outras matérias,

um programa concreto, deixando – de maneira propositada – um amplíssimo espaço de conformação ao

legislador ordinário. Este facto é, aliás, facilmente compreensível, por razões históricas, sociais e políticas.

Nestes termos, a Constituição admite que o legislador democrático possa ser chamado a dirimir a tensão que

emerge, em determinadas situações, entre vida biológica e vida biográfica (ou, para quem assim o prefira,

entre a sacralidade da e a qualidade de vida), encontrando soluções que salvaguardem a dignidade da pessoa

humana e todos os direitos e valores jurídico-constitucionais em conflito, e que façam sentido numa sociedade

secularizada e plural (neste sentido, veja-se A. Schillacci, «Dalla Consulta a Campo Marzio (e ritorno?): il