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II SÉRIE-A — NÚMERO 97

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difficile seguito dell’ord. n. 207/2018», in S. Cacace, A. Conti e P. Delbon (a cura di), La Volontà e la Scienza,

G. Giappichelli Editore, Torino, 2019).

Sobre o artigo 24.º da CRP, importa destacar que este protege a vida humana, em todo o momento e em

todas as circunstâncias. A vida – uma vida digna – é, pois, tutelada em todas as fases do percurso humano,

desde as menos autónomas (como a infância ou a terceira idade) às de maior autonomia; em estado saudável

ou de doença; no quadro da integridade plena de faculdades físicas, motoras ou intelectuais ou de deficiência,

leve ou profunda, congénita ou superveniente. Nesse sentido, a norma protege os seres humanos que não

têm, por diversas razões, plena capacidade de autodeterminação, como os menores, os incapazes, as

pessoas com anomalia psíquica, ou as que se encontram em estado vegetativo. Protege igualmente, e como é

evidente, a pessoa com absoluta autonomia e liberdade de autodeterminação. Essa proteção impõe-se, desde

logo, ao Estado, em relação ao qual impendem importantes deveres de proteção e tutela. Tendo, aliás, em

atenção a génese da norma constitucional, e a que era a memória então recente dos atentados contra a vida

por parte do Estado Novo, a ideia fundante do artigo 24.º, n.º 1, da Constituição era simples: o Estado não

mata, por razão alguma, pessoas que querem viver.

No entanto, nada disto tem como consequência necessária que esta proteção tenha de ter sempre a

mesma extensão e intensidade e, ainda, que a consideração daquela que é, hoje, a densificação de outros

direitos fundamentais – designadamente, do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, nas dimensões

de liberdade e autodeterminação – e das suas consequências em planos específicos, como o dos tratamentos

médicos e dos processos de fim de vida, não permita (ainda que também não obrigue a) que o legislador crie

soluções jurídico-normativas e práticas para viabilizar aquele que entende ser o modo mais logrado de

concordância prática entre os valores em conflito.

A ideia, expressa no Acórdão, segundo a qual se estará, no presente caso, num plano muito distinto, e

alheio a esta tensão entre direitos fundamentais, porquanto «não está em causa a conduta isolada de alguém

que quer pôr termo à própria vida, mas a assistência de profissionais de saúde, num quadro de atuação

regulado e controlado pelo Estado, à antecipação da morte de uma pessoa a pedido desta» constitui um

artifício, por certo engenhoso, mas infundado, para fugir à questão fundamental que a problemática do auxílio

ao suicídio e do homicídio a pedido do paciente em situações de sofrimento intolerável convoca: a da definição

de um espaço de equilíbrio entre o direito à vida (artigo 24.º, n.º 1, da CRP) e o direito ao livre

desenvolvimento da personalidade, expressão de uma irrenunciável autodeterminação pessoal e da

autonomia da vontade (artigo 26.º, n.º 1, da CRP). Rejeitamos a ideia de que essa autonomia, que configura

um verdadeiro direito fundamental, só possa, à luz da Lei Fundamental, ser exercida no quadro da mais

absoluta solidão. Por isso, impunha-se a este Tribunal ter afrontado este problema central e, com coerência

dogmática, ter retirado as devidas conclusões acerca da questão difícil que tem em mãos. Mesmo que se

exclua a emergência, no nosso ordenamento jurídico, do direito fundamental a uma morte autodeterminada,

subsiste a questão de saber até que ponto é lícito ao legislador reconhecer prevalência crescente ao direito ao

livre desenvolvimento da personalidade em face de um direito à vida que é, antes de mais um direito subjetivo

fundamental. Assim, se é indesmentível que «a interferência do terceiro converte o facto num facto pertinente

ao sistema social, estando como tal, exposto aos seus códigos e valorações» (v. Costa Andrade, cit. no

Acórdão), isso não implica que os mesmos códigos e valorações do sistema social permaneçam cristalizados,

presos numa espécie de cápsula do tempo, imunes a qualquer evolução e vento de mudança, impedindo

soluções que viabilizem, em certas circunstâncias, a morte medicamente assistida; soluções estas que se

conformam com o quadro constitucional em vigor, justamente porque fundadas numa certa conceção de

equilíbrio hodierno entre direitos em tensão. Ora, se a esta mesma conclusão chega o Acórdão – a de que «a

proteção absoluta e sem exceções da vida humana não permite dar uma resposta satisfatória, pois tende a

impor um sacrifício da autonomia individual contrário à dignidade da pessoa que sofre, convertendo o seu

direito a viver num dever de cumprimento penoso» – a verdade é que o faz a partir de uma conceção da

dimensão objetiva do bem vida que quase a absolutiza. Admitindo o se (a possibilidade de morte medicamente

assistida, nas suas várias modalidades), esta decisão olha o como com indisfarçável desconfiança, reduzindo-

o às situações em que «não está em causa uma escolha entre a vida e a morte, mas, mais rigorosamente, a

possibilitação da escolha entre diferentes modos de morrer: nomeadamente, um processo de morte longo e

sofrido versus uma morte rápida e tranquila». Um tal entendimento, levado às últimas consequências,