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II SÉRIE-A — NÚMERO 97

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permanentemente em busca da confirmação/infirmação do conhecimento tido como adquirido) ou proporcionar

ao aplicador uma maior fecundidade heurística na apreciação das concretas situações da vida, associada à

garantia que a necessidade de fundamentação empresta ao juízo?

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Processo n.º 173/2021

Plenário

Declaração de voto

Tendo subscrito a declaração de voto feita em conjunto com os Conselheiros Mariana Canotilho, Assunção

Raimundo e Fernando Vaz Ventura, onde se enunciam as razões fundamentais por que divergimos do

Acórdão, em termos com que me identifico por inteiro, adito agora esta declaração individual, não contraditória

com aquela, antes na mesma lógica, de algum modo complementando-a com algo que julgo importante dizer

sobre a lei cuja fiscalização foi pedida a este Tribunal.

A conclusão principal da decisão votada é – reafirmo aqui a nossa declaração conjunta – a de que, em

abstrato, o artigo 24.º, n.º 1, da CRP não impede o legislador «de introduzir na ordem jurídica causas de

justificação atendíveis em sede de auxílio ao suicídio ou de homicídio a pedido da vítima». A Constituição

outorga-lhe uma margem de conformação nesta matéria, para poder encontrar soluções que realizem a

necessária concordância prática entre direitos fundamentais e valores jurídico-constitucionais em tensão. De

facto, há que reconhecer, sem que tal implique qualquer diminuição da importância ou do sentido ético,

filosófico, político, social e jurídico da existência humana, que a absolutização da defesa da vida pelo Estado,

contra a vontade do seu titular é, hoje, muito dificilmente compaginável com as exigências jurídico-

constitucionais decorrentes dos direitos à autonomia e autodeterminação individuais. Tal como escrevem Rui

Medeiros e Jorge Pereira da Silva, numa anotação ao artigo 24.º, a circunstância de o direito à vida ser

condição sine qua non de todos os restantes direitos não implica necessariamente a sua «permanente

superioridade axiológica sobre os demais direitos»: apenas a vida compatível com a liberdade é objeto de

pleno reconhecimento constitucional.

Dentro dessa margem de conformação, entendo que a AR, por uma maioria muito expressiva, e cumprindo

o que entendeu ser um imperativo de humanidade (creio que os trabalhos preparatórios, v.g., os debates

parlamentares, demonstram a importância desta ideia para a mens legislatoris), fez uma lei que, de forma

equilibrada e muito cuidadosa, respeita tanto quem quer viver como a natureza o ditar até ao último dia, como

quem quer escolher o momento da sua morte com a assistência de terceiros em circunstâncias delimitadas

pelo quadro constitucional. A lei procurou conciliar o mais possível as diversas visões da sociedade sobre o

tema e estabelecer todas as cautelas, fazendo tudo o que estava ao seu alcance para evitar, por exemplo, o

perigo das chamadas rampas deslizantes. A sua preocupação bem visível foi limitar a morte assistida a

situações muito excecionais (e invariavelmente assentes na vontade livre, esclarecida e informada do

paciente, com todo um procedimento garantístico muito exigente, a garantia de acesso a cuidados paliativos, a

objeção de consciência dos profissionais de saúde, etc.).

Uma última referência, a propósito do argumento relativo à dimensão social – e não meramente individual –

do suicídio, muito esgrimido e particularmente enfatizado por Gustavo Zagrebelsky: «dever do Estado não é o