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16 DE MARÇO DE 2021

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a toda e qualquer ponderação com a liberdade geral de ação que releva do direito ao livre desenvolvimento da

personalidade (artigo 26.º, n.º 1) do seu titular.

Por outro lado, a noção de que o pedido para morrer não é «livre», independentemente da condição

psicológica do autor, baseia-se numa confusão dos conceitos de coação física e moral: quando a pessoa atua

constrangida por uma ameaça ilícita, ao contrário do que ocorre quando a ação é constrangida pela força, a

sua conduta corresponde a um exercício de vontade pessoal; a razão de ser da invalidade do ato não é a

ausência de vontade, mas o vício na sua formação. A mesma liberdade se verifica na decisão pessoal de pôr

termo à vida, com a diferença de que neste caso não há nenhum vício na formação da vontade, porque a

pessoa não decide condicionada por ameaça ilícita de terceiro, mas pelo desejo de evitar o prolongamento de

uma existência insatisfatória. A decisão só não seria livre se o agente tivesse perdido o discernimento; e a

formação da vontade só seria viciada se a lei negasse ao agente o exercício de um outro direito atual e

definitivo de que resultasse ou pudesse resultar um aumento por si julgado relevante de qualidade de vida. De

resto, não vejo como é que esta posição possa evitar a seguinte consequência: se o pedido do doente para

morrer não é por natureza um exercício de liberdade, como pode sê-lo a recusa de um tratamento necessário

para manter ou prolongar a vida? Se a vida é um bem indisponível, porque a liberdade não pode valer contra a

vida ou porque a liberdade contra a vida é meramente aparente, parece-me inevitável concluir que a eutanásia

voluntária passiva também é inconstitucional, condenável em todos os casos, sendo particularmente salientes

aqueles em que a recusa de tratamento implica uma ação − a interrupção de um meio de suporte da vida.

Aceitar esta consequência implicaria aceitar um verdadeiro terramoto no quadro legal e deontológico vigente,

subversivo do atual paradigma do consentimento na relação entre médico e paciente.

3. A segunda resposta possível quanto ao fundamento constitucional da punição do homicídio a pedido da

vítima e da ajuda ao suicídio é a de que se trata de uma ponderação do dever de estatal de proteção da vida –

como valor eminentemente objetivo – com o direito ao livre desenvolvimento da personalidade do titular.

Segundo esta posição, há muito que o legislador pune a colaboração de terceiros na morte autodeterminada

porque entende que o dever de proteger a vida prevalece em geral sobre a autonomia individual; mas aprova

agora um regime de morte medicamente assistida por entender ainda que, em determinadas circunstâncias, o

peso relativo destes valores constitucionais altera-se a favor da liberdade. A tese – timidamente subscrita no

acórdão − é a de que tal decisão é em princípio tolerável, sem prejuízo da margem de conformação política do

legislador poder ser mais ou menos ampla, consoante o juízo sobre o grau de abertura da ordem

constitucional ao sacrifício da vida em nome da liberdade.

Não creio que seja uma posição defensável.

A ponderação de valores constitucionais só pode alterar-se, sob pena de violar a exigência de

universalidade dos juízos, se o seu peso relativo ou outra consideração de relevo variar em função das

circunstâncias. Por outras palavras, só faz sentido admitir exceções a uma regra se for possível defender que

as circunstâncias específicas daquelas justificam um juízo de ponderação diverso do que incide sobre a

generalidade dos casos. Daqui resulta que a morte medicamente assistida só pode ser compatibilizada com a

incriminação geral do homicídio a pedido da vítima e da ajuda ao suicídio, sempre com fundamento na

ponderação entre o dever de proteção da vida e o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, se for

legítimo ajuizar que, nas condições previstas no n.º 1 do artigo 2.º do decreto, o valor objetivo da vida é menor

ou o valor da liberdade é maior – ou, a fortiori, ambas as coisas − do que nas demais circunstâncias em que

se verificam os pressupostos dos tipos incriminadores constantes dos artigos 134.º e 135.º do Código Penal.

Ora, tal juízo é obviamente ilegítimo, pelas razões aduzidas recentemente pelo Tribunal Constitucional

Federal da Alemanha, no aresto prolatado em 26 de fevereiro de 2020 sobre o direito a uma morte

autodeterminada. Por um lado, se a permissão da morte medicamente assistida evidenciasse o juízo do

legislador de que a vida em determinadas circunstâncias − «lesão definitiva de gravidade extrema» ou

«doença incurável e fatal» − tem um valor diminuído, e por isso cede perante o valor da liberdade (cujo peso,

por hipótese, se mantém constante em todos os casos de morte a pedido ou suicídio assistido), admitir-se-ia a

graduação do valor da vida plenamente formada como princípio geral, precisamente aquele princípio que

sempre orientou as políticas eugénicas, homicidas e genocidas dos regimes que se caracterizaram pela

negação da dignidade da pessoa humana – pela noção, quer isto dizer, de que a dignidade não é do ser

humano, sem declinações ou reservas, mas daqueles que exibem uma origem, pertença ou excelência