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16 DE MARÇO DE 2021

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contrário: dar esperança a todos? O primeiro direito de cada pessoa é poder viver uma vida com sentido,

correspondendo à sociedade o dever de criar as condições. […] Uma coisa é o suicídio como facto individual;

outra coisa é o suicídio socialmente organizado A sociedade, com as suas estruturas, tem o dever de cuidar,

se possível; se não for possível, tem, pelo menos, o dever de aliviar o sofrimento». O problema maior desta

argumentação é que não vivemos nessa sociedade perfeita ou, pelo menos, mais próxima daquela sociedade

mais justa, mais fraterna e mais livre de que fala o preâmbulo da nossa Constituição. Se temos todos, como

pessoas e cidadãos, um dever indeclinável de lutar por ela, a verdade é que ela (ainda) não existe – e aí a

necessidade da nossa solidariedade e da nossa humanidade, enquanto comunidade, para com aqueles que,

em circunstâncias extremamente difíceis, que ninguém pode julgar, optam por tomar a decisão dramática de

pedir para lhes ser dada a morte. É verdade que todas as vidas são dignas – aí todos estamos de acordo, pelo

que não é esse o problema (e, aliás, como salienta Ronald Dworkin, «a dignidade – que significa respeitar o

valor inerente às nossas próprias vidas – constitui o cerne de ambos os argumentos», pró e contra a

eutanásia), mas também é verdade que não há paliativos para tudo e há sofrimentos a que nada consegue pôr

cobro. O sofrimento, mesmo atroz, pode aguentar-se quando há esperança, mas o sofrimento atroz, quando

não há esperança, não faz sentido se o próprio já não vir nele nenhum sentido. O que torna o sofrimento

insuportável não é a doença ou a lesão de que a pessoa sofre, é a sua incapacidade em adaptar-se e assim

não conseguir alívio, é a perspetiva de viver em constante sofrimento sem qualquer expectativa de alívio. É

por isso que entendo estar aqui em causa, sobretudo, esse imperativo de humanidade, de não tratar como

criminoso quem ajuda alguém, «em situação de sofrimento intolerável, com lesão definitiva de gravidade

extrema de acordo com o consenso científico ou doença incurável e fatal» a antecipar a sua morte, movido

apenas pela compaixão face ao seu pedido consciente e informado, repetido e inequívoco. Com esta lei, cada

um continua a ter o direito a sofrer o seu próprio sofrimento e a morrer a sua própria morte, mas a

criminalização deixará de poder ser usada para impor o sofrimento a outros, nos limitadíssimos casos em que

se encontra previsto que o homicídio a pedido da vítima e a ajuda ao suicídio deixam de ser crime.

Também por estas razões (a acrescer às que constam da declaração conjunta que subscrevi) divergi do

Acórdão e entendo que o juízo deste Tribunal deveria ter sido de não inconstitucionalidade.

(José João Abrantes)

——

Processo n.º 173/2021

Plenário

Relator: Conselheiro Pedro Machete

(Conselheira Maria José Rangel de Mesquita)

Declaração de voto

Vencido quanto ao fundamento da decisão.

1. A morte medicamente assistida regulada no Decreto n.º 109/XIV constitui uma exceção aos regimes

gerais da incriminação do homicídio a pedido da vítima e da ajuda ao suicídio, constantes do n.º 1 –

respetivamente − dos artigos 134.º e 135.º (segunda parte) do Código Penal. Desde que praticada nas

condições e nos termos previstos no decreto, a conduta em causa deixa, não apenas de ser «punível», como

se afirma no artigo 1.º, como em rigor passa a ser lícita, permitida pela lei − em boa verdade, passa a ser

protegida pela lei, uma vez que o cumprimento de todas as etapas do procedimento de verificação confere ao

«doente» o direito de morrer com assistência médica. Ora, sempre que o legislador pune uma conduta,