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16 DE MARÇO DE 2021

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princípio do Estado de direito democrático e da reserva de lei parlamentar, decorrentes das disposições

conjugadas dos artigos 2.º e 165, n.º 1, alínea b), da Constituição», parâmetro com o qual concordamos – o

Acórdão dedica-se a examinar a determinabilidade dos dois segmentos normativos identificados como

problemáticos pelo recorrente (e só esses), concluindo pela inconstitucionalidade, por violação do mencionado

princípio da determinabilidade, da referência a «lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o

consenso científico». Entende a maioria que se imporia, sem qualquer dúvida, ao legislador, para manter as

suas opções num espaço de conformidade constitucional «encontrar uma formulação alternativa, que se

traduzisse numa maior densificação do elemento normativo que se pretende consagrar enquanto pressuposto

da não punição», adiantando mesmo que aquele «poderia ter mobilizado outros conceitos, muito mais comuns

na prática (médica ou jurídica), que, sem perder plasticidade, seriam prontamente apreensíveis quando

associados ao pressuposto relativo ao sofrimento intolerável». Ora, a questão que aqui se coloca não é se o

legislador poderia (ou deveria) ter feito diferente, ou melhor. Como nem todo o mau direito é direito contrário à

Constituição, e como o legislador não estava, aqui, no nosso entender, obrigado a remeter a conceitos mais

comuns na prática médica ou jurídica, a única questão a que o Tribunal deve responder é se o conceito que o

legislador democrático efetivamente mobilizou corresponde aos standards mínimos de determinabilidade

aceites como conformes à CRP, no âmbito das causas de justificação em matéria penal. Basta, porém, abrir o

Código Penal para encontrarmos, em domínios paralelos, conceitos igualmente indeterminados que não

mereceram, até hoje, censura, por se entender que eles são determináveis, na prática, no quadro de um

processo de diálogo entre médico e paciente, análogo ao que aqui está em causa. Vejam-se, a título de

exemplo, as alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 142.º do Código Penal, nas quais se preveem situações não

punibilidade da interrupção da gravidez efetuada por médico, com o consentimento da mulher grávida, com

recurso a conceitos como «grave e irreversível/duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou

psíquica da mulher grávida» e «grave doença ou malformação congénita». A utilização destes conceitos

assume tanto mais relevância quando também neste caso, e à semelhança da morte medicamente assistida,

se trata não só de descriminalizar, em certas condições, certas condutas, mas «de as regular – e, assim, de as

legalizar – no quadro (e apenas no quadro) de um procedimento administrativo autorizativo e de execução que

o próprio Estado institui e regula em todas as suas fases e com intervenção (não apenas, mas sempre) de

entidades de natureza pública». Não se vê, pois, que o segmento normativo questionado se afaste,

irremediavelmente, deste standard, ou que se coloquem, quanto a ele, quaisquer outras objeções

incontornáveis atinentes ao princípio da determinabilidade.

O problema – que o Acórdão não enfrenta explicitamente, embora devesse fazê-lo – não é, pois, o da

determinabilidade do conceito de «lesão definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso

científico». O conceito é determinável, sem dificuldades inultrapassáveis, no específico contexto institucional e

procedimental em que deve operar. A questão é que a prefiguração dessa mesma determinação leva a

concluir que o legislador quis incluir no leque de possibilidades de acesso a uma morte medicamente assistida

casos em que, por não estar em causa uma lesão de «natureza fatal, não se vê como possa estar (…) em

causa a antecipação da morte, uma vez que esta pode não ocorrer em consequência da referida lesão».

Assim, o que fundamenta a decisão de inconstitucionalidade não é, verdadeiramente, um problema de

indeterminabilidade. É um problema que radica na amplitude do âmbito subjetivo das situações efetivamente

abrangidas pela norma fiscalizada. A maioria do Tribunal entende que ela é de tal modo grande que isso a

situa fora do espaço de conformidade constitucional. No entanto, se é esse o problema, deveria ter sido

especificamente analisado.

Tendo em conta tudo o que se afirmou, cremos que se aplica, por maioria de razão, ao requisito de «lesão

definitiva de gravidade extrema de acordo com o consenso científico» o que se disse no Acórdão quanto ao

requisito de «sofrimento intolerável»; ou seja, que «apesar de indeterminado, o conceito em apreço não é

indeterminável, mas antes determinável. Acresce que a sua abertura se mostra adequada ao contexto clínico

em que terá de ser aplicado por médicos. Estas duas razões justificam suficientemente o grau de

indeterminação em causa, não permitindo, no domínio particular da antecipação da morte medicamente

assistida, a conclusão de que aquele grau contrarie as exigências de densidade normativa resultantes da

Constituição».

O que será mais desejável, até por quem mais receia as denominadas rampas deslizantes? «Amarrar» o

intérprete a noções estreitas e sempre discutíveis (pois essa é a indeclinável natureza do método científico,