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16 DE MARÇO DE 2021

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continuar a vigorar expurgada do critério então considerado inconstitucional – sob pena de ser o Tribunal a

redesenhar ele próprio, por via da sua decisão, uma nova fronteira e, assim, uma nova norma –, nesta sede de

fiscalização preventiva, a apreciação a realizar pelo Tribunal também não pode deixar de considerar a norma

na sua unidade teleológica e a consequente união incindível dos elementos da sua previsão». Ora, acontece

que, no nosso entender, não só o requerente quis efetivamente – e disse-o com clareza – que a linha divisória

fosse outra (quis questionar parte do como, mas não o se), como também o paralelismo com a fiscalização

abstrata sucessiva da constitucionalidade nem sequer se afigura feliz. Na fiscalização preventiva, um juízo de

inconstitucionalidade sempre implica, nos termos do n.º 1 do artigo 279.º da CRP, o veto (neste caso) do

Presidente República. A normação do Decreto não entrará, pois, em vigor, sem uma reapreciação da mesma

por parte do legislador, e o expurgo da norma julgada inconstitucional ou sua reconfirmação por maioria de

dois terços dos Deputados.

Resumindo: onde o Presidente da República afirmou explicitamente que o pedido não visa enfrentar «a

questão de saber se a eutanásia, enquanto conceito, é ou não conforme com a Constituição», tendo

restringido, de forma expressa e consciente, a avaliação requerida a este Tribunal à «questão de saber se a

concreta regulação da morte medicamente assistida operada pelo legislador no presente Decreto se conforma

com a Constituição», numa matéria que «se situa no core dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos,

por envolver o direito à vida e a liberdade da sua limitação, num quadro de dignidade da pessoa humana», o

Tribunal escolheu ir muito mais longe. Tendo-lhe sido solicitado que se limitasse a analisar aspetos concretos

do regime jurídico aprovado pelo legislador democrático, o Tribunal entendeu fazer uma análise prévia da

constitucionalidade da eutanásia ou do auxílio ao suicídio, em si mesmos considerados. Não devia, nem

precisava, de o ter feito. Não devia, porque uma compreensão adequada das exigências dos princípios do

pedido e da separação de poderes a isso mesmo conduz. E, mais ainda, não necessitava de dar esse passo,

já que, não sendo dono do pedido, o Tribunal é dono do parâmetro. Evidentemente, as dimensões

paramétricas constituídas pelo direito à vida, ao livre desenvolvimento da personalidade, à autonomia e

liberdade pessoais, sempre poderiam ser mobilizadas para a fundamentação da decisão, ainda que não

tenham sido invocadas pelo requerente, no pedido.

2. O Acórdão faz, no nosso entender, uma leitura errónea da norma constante do artigo 24.º, n.º 1,

da CRP (a vida humana é inviolável).

Importa evidenciar aquela que é, apesar de tudo, e no nosso entender, a mais importante linha

jurisprudencial decorrente do presente juízo: a que sustenta a não inconstitucionalidade de um regime

jurídico regulador das possibilidades de morte medicamente assistida, face ao parâmetro do artigo

24.º, n.º 1, da CRP, isoladamente considerado. Ou seja, nos termos da presente decisão, a priori e em

abstrato, as exigências axiológicas e jurídico-constitucionais impostas por aquela norma não impedem o

legislador democrático de legalizar a antecipação da morte medicamente assistida e introduzir na ordem

jurídica causas de exclusão da responsabilidade criminal em sede de auxílio ao suicídio ou de homicídio a

pedido da vítima; partilhamos, sem qualquer dúvida, esta conclusão. Aliás, cremos que não poderia ser de

outra maneira, pelas razões que em seguida se apresentarão e que, por este motivo, ao admitir a possibilidade

(o se), não deve o Tribunal Constitucional transformá-la numa mera hipótese teórica, através de um juízo de

tal forma estrito sobre o procedimento (o como), que este resulte inoperável no plano prático.

Todavia, o Acórdão faz, no nosso entender, uma leitura errónea da norma do artigo 24.º, n.º 1, da CRP (a

vida humana é inviolável), que protege a vida humana e a sua inerente dignidade, em todas as formas e todas

as fases do percurso vital da pessoa, enquanto sujeito de direitos. Vejamos porquê.

2.1A leitura que o Acórdão faz acerca do lugar constitucional do direito à vida e da vida enquanto

valor constitucionalmente protegido revela-se errónea, desde logo, ao divergir, de forma substancial,

daqueles que são os standards constitucionais comuns, nesta matéria, no espaço europeu (e até fora

dele). Efetivamente, mal se compreende a premissa, subentendida na decisão, segundo a qual o nosso

ordenamento jurídico-constitucional se afasta, de forma irremediável, de vários dos seus congéneres,

porquanto nestes se reconhece um direito fundamental ao suicídio, afastado, em termos absolutos, no caso

português, pelo reconhecimento da vida como valor objetivo, intangível, e a proteger pelo Estado. Não nos