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21 DE MAIO DE 2021

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No livro Tráfico de mulheres em Portugal para fins de exploração sexual67, já mencionado, encontramos o

testemunho de uma ONG que defende que a prostituição nunca é opção livre das mulheres que a praticam,

afirmando-se que «Não vejo a prostituição como uma opção. Eu tenho uma visão, se calhar pela minha formação

e experiência, muito relativa do que é opção. Só existe opção quando as pessoas têm as oportunidades todas

e podem escolher de uma forma informada. Portanto, contexto de opções, opções limitadas, não é opção real.

Não acredito que as mulheres vão para a prostituição por opção».

De facto, o estudo diagnóstico sobre as mulheres no sistema de prostituição em Lisboa, acima mencionado,

deixa evidente que, na generalidade das situações, a entrada na prostituição não resulta de uma escolha livre,

sendo antes as pessoas empurradas para este sistema, normalmente por razões económicas, porque não

encontram outra alternativa.

De acordo com um estudo da UGT Espanhola, apenas 5% das mulheres que se prostituem afirmam fazê-lo

voluntária e livremente, ou seja, 95% das mulheres escolheriam outra alternativa se essa lhe fosse

proporcionada 68. Ainda, a investigação de Melissa Farley e Emily Butler69, revela que 85% a 95% das pessoas

na prostituição querem sair desta, mas não encontram outras opções que garantam a sua sobrevivência.

Ora, quando os estudos demonstram que a maioria das mulheres entra ou permanece no sistema da

prostituição porque não tem alternativa e que a quase totalidade sairia deste sistema se tivesse essa

possibilidade, podemos mesmo dizer que a prostituição é uma escolha?

Para nós, uma escolha livre pressupõe a existência de diferentes opções. E, por isso, se estas não existirem,

então não se trata verdadeiramente de uma escolha.

Este entendimento é sufragado por Pedro Vaz Patto, que refere que «é difícil considerar a prostituição uma

opção autenticamente livre e não fortemente condicionada. A alternativa à prostituição não é, na esmagadora

maioria dos casos, uma promissora e qualificada carreira profissional; é, muitas vezes, a fome»70.

No mesmo sentido, sublinha Raymond (2003) que mais do que falar de escolha, e perante as suas múltiplas

fragilidades socioeconómicas, a realidade da entrada no sistema de prostituição é, para muitas mulheres, uma

estratégia de sobrevivência, para elas próprias e para quem delas depende, nomeadamente, os filhos.

Não podemos esquecer que as mulheres continuam a ter um risco de pobreza mais elevado do que os

homens, situação que ficou evidente com a pandemia provocada pela COVID-19 tendo sido estas as mais

afetadas. Tanto que, de acordo com um relatório publicado em 2020 pela ONU, estima-se que a pandemia

colocará mais 47 milhões de mulheres e meninas abaixo da linha de pobreza, revertendo décadas de progresso

para erradicar a pobreza extrema71.

É inegável a feminização da pobreza. O desemprego afeta principalmente as mulheres e são estas as mais

atingidas pelo trabalho precário e informal. Os sectores de atividades onde se verifica o predomínio de mulheres

são normalmente mal remunerados e as mulheres continuam a receber menos do que os homens, mesmo

quando exercem as mesmas funções. Por fim, as mulheres continuam a ser vistas como principais cuidadoras

da família, podendo ter a seu cargo vários dependentes, e são as principais protagonistas do trabalho não

remunerado, nomeadamente o trabalho doméstico e do cuidado dos filhos72.

Por isso, uma análise do sistema da prostituição depende de uma cuidada reflexão sobre as causas que

levem as pessoas a entrar neste sistema. E se a causa é porque a mulher considera que essa é a única forma

de se sustentar ou sustentar os seus filhos, então tal não pode ser ignorado.

Como bem é mencionado no livro Tráfico de mulheres em Portugal para fins de exploração sexual 73, «mesmo

o consentimento voluntário merece a nossa análise. As situações de miséria e de pobreza por detrás dessas

67 Neste sentido, Tráfico de mulheres em Portugal para fins de exploração sexual, Boaventura de Sousa Santos. [etal.] – Lisboa: CIG – Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, 2008, que pode ser consultado em: https://www.cig.gov.pt/siic/pdf/2014/ estudotraficomulheresptfinsexploracaosexual.pdf. 68 Cfr. UGT, La prostitución, una cuestión de género, em: http://portal.ugt.org/informes/prostitucion.pdf. 69 Cfr. Melissa Farley e Emily Butler, Prostitution and Trafficking – Quick Facts, que pode ser consultada em: Prostitution-Quick-Facts.pdf (questoeilmiocorpo.org). 70 Cfr. Pedro Vaz Patto, O Tratamento jurídico da Prostituição, Brotéria – Cristianismo e Cultura, Outubro de 2008. 71 Cfr. https://news.un.org/pt/story/2020/09/1725032. 72 A título de exemplo, Relatórios sobre o Progresso da Igualdade de Oportunidades entre Mulheres e Homens no Trabalho, no Emprego e na Formação Profissional, divulgado pela CITE, 2019, que pode ser consultado em http://cite.gov.pt/pt/destaques/ complementosDestqs2/Rel_Igualdade_2019.pdf e o estudo As mulheres em Portugal, hoje, da Fundação Francisco Manuel dos Santos, Fevereiro de 2019, que pode ser consultado em https://www.ffms.pt/publicacoes/grupo-estudos/3584/as-mulheres-em-portugal-hoje. 73 Neste sentido, Tráfico de mulheres em Portugal para fins de exploração sexual, Boaventura de Sousa Santos. [etal.] – Lisboa: CIG – Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, 2008, que pode ser consultado em: https://www.cig.gov.pt/siic/pdf/2014/ estudotraficomulheresptfinsexploracaosexual.pdf.