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6 DE OUTUBRO DE 2021

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A autonomização do tipo penal da mutilação genital feminina decorre da alteração do Código Penal operada

pela Lei n.º 83/2015, de 5 de agosto – Trigésima oitava alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de setembro, autonomizando o crime de mutilação genital feminina, criando os crimes de

perseguição e casamento forçado e alterando os crimes de violação, coação sexual e importunação sexual, em

cumprimento do disposto na Convenção de Istambul, com origem, designadamente, nos Projetos de Lei n.os

515/XII/3.ª (CDS-PP) – Procede à trigésima primeira alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º

400/82, de 23 de setembro, criando o crime de mutilação genital feminina, e 517/XII/3.ª (PSD) – Autonomiza a

criminalização da mutilação genital feminina – trigésima primeira alteração ao Código Penal, e tendo como

antecedente (rejeitado) o Projeto de Lei n.º 504/XII/3.ª (BE) – Altera o Código Penal, autonomizando o crime de

mutilação genital feminina.

I. e) Enquadramento no plano da União Europeia

Nos termos do disposto do artigo 2.º do Tratado da União Europeia (TUE), a União funda-se nos valores do

respeito pela dignidade humana, da liberdade, da democracia, da igualdade, do estado de direito e do respeito

pelos direitos do Homem. Dispõe ainda o artigo 3.º que a União tem por objetivo promover a paz, os seus valores

e o bem-estar dos seus povos. Também a Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, nomeadamente,

nos seus artigos 1.º, 3.º e 6.º, prevê a defesa da dignidade do ser humano, do direito à sua integridade, física

ou mental, bem como à sua liberdade.

Com base jurídica no artigo 83.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), o Parlamento

Europeu (PE) e o Conselho, por meio de diretivas adotadas de acordo com o processo legislativo ordinário,

podem estabelecer regras mínimas relativas à definição das infrações penais e das sanções em domínios de

criminalidade particularmente grave com dimensão transfronteiriça que resulte da natureza ou das incidências

dessas infrações, ou ainda da especial necessidade de as combater, assente em bases comuns.

Um passo importante em relação à prevenção e ao combate à violência contra as mulheres foi a assinatura,

em 2017, pela União Europeia (UE), da Convenção de Istambul de 2011, que, ainda que nem todos os seus

Estados-Membros a tenham ratificado, deve ser lida como um sinal de empenho da União na luta contra

manifestações de género contra mulheres, bem como um caminho para dotar a União no seu espaço geográfico

e no mundo de instrumentos jurídicos de ação.

A Convenção de Istambul traduz, assim, uma via de reconhecimento jurídico transnacional, quanto à natureza

da violência contra as mulheres, caraterizada como uma manifestação das relações de poder historicamente

desiguais entre mulheres e homens que levou à dominação e discriminação das mulheres. Por isso, e também

reconhecendo que a natureza estrutural da violência contra as mulheres é baseada no género, a Convenção

aplica-se a todas as formas de violência contra as mulheres.

À luz da Convenção a «violência contra as mulheres» é entendida como uma violação dos direitos humanos

e como uma forma de discriminação contra as mulheres e significa todos os atos de violência baseada no género

que resultem, ou sejam passíveis de resultar, em danos ou sofrimento de natureza física, sexual, psicológica ou

económica para as mulheres, incluindo a ameaça do cometimento de tais atos, a coerção ou a privação arbitrária

da liberdade, quer na vida pública quer na vida privada e a «violência contra as mulheres baseada no género»

designa toda a violência dirigida contra uma mulher por ela ser mulher ou que afete desproporcionalmente as

mulheres. Nestes termos a Convenção prevê diversas condutas que deverão ser criminalizadas,

nomeadamente, a violência psicológica (33.º), a violência física (35.º), a violência sexual (36.º), o casamento

forçado (37.º), a mutilação genital feminina (38.º) e o aborto e esterilização forçados (39.º).

Cumpre ainda referir que a Presidência portuguesa do Conselho da UE, organizou, em abril deste ano, a

Conferência de Alto Nível «10.º Aniversário da Assinatura da Convenção de Istambul. O estado da arte»,

fazendo um balanço desta década, na qual se analisaram os impactos da pandemia e se refletiram as medidas

e ações necessárias para pôr fim a todas as formas de violência contra as mulheres e raparigas.

O Parlamento Europeu aprovou, também, diversas resoluções que tocam o tema da igualdade de género e

combate da violência contra as mulheres, nomeadamente a Resolução de 26 de outubro de 2017, sobre a luta

contra o assédio sexual e os abusos sexuais na UE, condenando veementemente todas as formas de violência

sexual e física ou de assédio psicológico que consubstanciam crimes graves que devem, por isso, ser

sancionados, realçando que a impunidade tem de cessar, garantindo o julgamento dos agressores.