O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

II SÉRIE-A — NÚMERO 39

126

de recursos do setor público para o setor privado, o privilégio dos privados, a subordinação do SNS à cartilha

do negócio, a generalização dos seguros de saúde ou a asfixia orçamental do serviço público de saúde.

A nova Lei de Bases não pode, no entanto, ser letra morta. O novo estímulo ao nosso serviço público de

saúde não pode conviver com outra legislação paralela e contraditória. São exemplos disso o Decreto-Lei n.º

23/2020, de 22 de maio, que em vez de regulamentar a Lei de Bases sobre «os termos da gestão pública dos

estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde», veio, afinal, definir os termos em que as PPP podem

continuar a ser celebradas ou o Decreto-Lei n.º 23/2019, de 30 de janeiro, que sob a capa de uma

descentralização de competências, vem afinal colocar em causa a unidade estruturante do SNS, divide

equipas por tutelas diferentes e abre portas à gestão privada de edifícios. A nova Lei de Bases da Saúde e o

seu espírito não podem, da mesma forma, continuar a conviver com a possibilidade de USF-C, ou seja, com a

possibilidade da privatização dos cuidados de saúde primários.

Por tudo isto, a presente iniciativa legislativa, de forma a cumprir com a nova Lei de Bases da Saúde,

procede à revogação das várias disposições legais que hoje insistem em considerar a privatização, a

destruturação ou a fragilização do SNS. Dessa forma, propõe-se a revogação do Decreto-Lei que estabelece

as regras para a celebração de contratos de parceria de gestão na área da saúde, do Decreto-Lei que que

concretiza o quadro de transferência de competências para os órgãos municipais e para as entidades

intermunicipais no domínio da saúde e das disposições que possibilitam a privatização dos cuidados de saúde

primários.

Se é facto que a Nova Lei de Bases da Saúde não pode conviver com a legislação atrás referida, mais

gritante se torna a incompatibilidade com o Estatuto do SNS em vigor, elaborado para uma lei de bases

privatizadora, com foco na constituição de convenções e contratos com entidades externas ao SNS e

desatualizado nas atuais exigências de funcionamento e de necessidades da população.

Só em outubro de 2021, mais de dois anos depois da aprovação da nova Lei de Bases da Saúde, é que o

Governo colocou a discussão pública uma proposta de Estatuto do SNS. Foi, não obstante os dois anos de

demora, uma proposta que falhava no essencial e em alguns aspetos parecia até dar passos atrás em relação

à Lei de Bases.

Questões como o investimento plurianual ou os sistemas locais de saúde eram abordadas de forma vaga e

pouco concretizada, as questões da educação, formação e investigação não tinham qualquer relevância na

proposta do Governo, enquanto pouco ou nada se dizia sobre carreiras e condições de trabalho dos

profissionais de saúde, focando-se mais em questões avulsas como regimes excecionais de contratação,

trabalho suplementar e mobilidade.

Nessa mesma proposta abandonava-se a ideia de exclusividade, substituindo-a agora por um regime em

que os profissionais trabalhariam mais horas e poderiam, afinal, continuar a acumular funções no público e no

privado, incluindo os diretores de serviço. Também a autonomia das instituições se resumia à enunciação de

intenções: a autonomia do diretor do ACES para a realização de despesas limitava-se, afinal, a 20 mil euros, o

que é quase igual a nada; já a autonomia das instituições para contratação ficava dependente, ora da

aprovação do plano de atividades e orçamento por parte do Governo, ora de um limite temporal de 12 meses.

Mas era na relação entre público e privado e na necessária separação de águas entre estes dois setores

que se davam mais passos atrás em relação à Lei de Bases: para além de admitir a integração de entidades

privadas no SNS, assim como a gestão privada de instituições do SNS, previa-se ainda a possibilidade de

autorizar cedências de exploração de serviços hospitalares e a participação do estabelecimento de saúde EPE

em sociedades anónimas.

De facto, a proposta do Governo para Estatuto do SNS não servia nem aos profissionais nem aos utentes e

falhava ao próprio SNS, optando por se socorrer em vários casos de legislação e de princípios contrários ao

espírito e à expectativa criada com a Lei de Bases da Saúde.

Um novo Estatuto é necessário, sem dúvida, mas deve ser um Estatuto que aprofunde o caminho da Lei de

Bases e impeça a privatização do SNS. Esse Estatuto é a proposta legislativa que se apresenta e que resulta

de uma ampla discussão e participação da sociedade, de defensores do SNS, de pensadores da política de

saúde, de profissionais e utentes.

Nesta proposta releva-se o paradigma da saúde em todas as políticas, aumenta-se a articulação e

integração de políticas em várias áreas e atribui-se ao SNS também o desígnio de melhoria de condições e