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II SÉRIE-A — NÚMERO 262

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PARTE II – Opinião da relatora

A signatária manifesta a mais viva discordância relativamente à proposta de lei que vem de relatar,

considerando que as alterações que o Governo pretende levar a cabo consubstanciam um perigo para os

cidadãos e para o Estado de direito democrático.

Sem advogados livres e independentes o Estado de direito democrático e a defesa dos direitos, liberdades

e garantias ficam seriamente comprometidos, sendo essa defesa, precisamente, a primeira atribuição da Ordem

dos Advogados a par da colaboração na administração da justiça.

O artigo 208.º da Constituição da República Portuguesa prevê expressamente o patrocínio forense e dispõe

que «a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio

forense como elemento essencial à administração da justiça».

Também o artigo 20.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, dispõe que «Todos têm direito, nos

termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado

perante qualquer autoridade», obrigando o Estado a assegurar o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva

aos cidadãos.

A Constituição consagra também no artigo 32.º, n.º 3, e no que às garantias do processo criminal concerne,

que «O arguido tem direito a escolher defensor e a ser por ele assistido em todos os atos do processo,

especificando a lei os casos e as fases em que a assistência por advogadoé obrigatória.»

É precisamente a defesa dos interesses do cidadão que levou o legislador constituinte a prever o exercício

da advocacia nestas três normas. Não o fez por qualquer defesa corporativa dos advogados, mas, sim,

exclusivamente, para a defesa intransigente do interesse público. E esta consciência da defesa do interesse

público e dos direitos, liberdades e garantias está bem patente na nossa Lei Fundamental, assim como noutras

convenções internacionais, designadamente na CEDH (cfr. artigo 6.º).

A defesa intransigente dos direitos, liberdades e garantias só se concretiza se os advogados forem

absolutamente livres e independentes, sem receios de enfrentar o que for necessário para que a prossecução

da defesa dos cidadãos se efetive.

Analisada a proposta de lei, verifica-se que a mesma revela um profundo desconhecimento da dimensão do

exercício da advocacia como defesa do interesse público, pretendendo colocar amarras e mordaças a quem

sempre lutou pelo Estado de direito democrático, enfrentando tudo e todos, como o fizeram corajosos

advogados, como Salgado Zenha, Almeida Santos, Emília Fernandes e Manuel João da Palma Carlos, entre

tantos outros que enfrentaram os temíveis tribunais plenários do Estado Novo.

Como se lembrou no site da Ordem dos Advogados, Manuel João da Palma Carlos, em 23/04/1957, foi preso

em plena audiência de julgamento e condenado por responder aos juízes assim: «Julguem V. Ex.as como

quiserem, com ou sem prova, mas o que não podem é deixar de consignar em ata tudo quanto na audiência se

passar.» Manuel João da Palma Carlos foi ali julgado em processo sumaríssimo e aquelas palavras valeram-lhe

7 meses de prisão e a privação dos direitos políticos por um ano.

Há que destacar também o papel da Ordem dos Advogados na defesa dos advogados que patrocinaram os

presos políticos e de todos os que denunciaram e continuam a denunciar violações dos direitos, liberdades e

garantias e de direitos humanos como tortura, coação e repressão, enquanto bastião do valor supremo da

liberdade.

É isto a coragem e a alma da advocacia. Sempre na defesa do cidadão.

E quer agora o Governo amordaçar os advogados e a sua Ordem?

Restringir irremediavelmente os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos?

Dar-lhes um simulacro de advogados e controlá-los disciplinarmente?

E condicionar e controlar a Ordem dos Advogados?

É que o proposto conselho de supervisão, com competências executivas e disciplinares – em clara violação

do princípio da separação de poderes –, transforma todos os demais órgãos da Ordem em meros simulacros de

independência, subordinando a advocacia a um órgão de 15 membros e em que apenas 6 podem ser advogados

e sem que possa ser presidido por um advogado.

Este órgão vai definir toda a política e disciplina da Ordem dos Advogados, propor também o provedor dos

destinatários dos serviços (nome pomposo para quem vai ser pago com as quotas dos advogados), bem como

decidir sobre as remunerações agora criadas para os novos órgãos da Ordem, tudo com o dinheiro dos