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II SÉRIE-A — NÚMERO 15

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Gerações posteriores souberam cultivar a arte do humor visual, honrando e aperfeiçoando a melhor sátira

em forma de desenho. Com o traço inconfundível de José Vilhena, João Abel Manta, Sam, Augusto Cid, Pedro

Palma, António Moreira Antunes e António Maia, prolongando-se, em gerações mais recentes, nos trabalhos

de cartunistas como Luís Afonso, José Bandeira, Cristina Sampaio, Nuno Saraiva, Vasco Gargalo, Henrique

Monteiro ou André Carrilho.

O filósofo francês Henri Bergson, galardoado com o Prémio Nobel da Literatura, escreveu um célebre

ensaio intitulado O Riso, em que celebrava o humor como atividade exclusivamente humana. Dizia ele que o

homem é o único animal dotado com o dom do riso que se distingue por várias tonalidades, incluindo a sátira e

a ironia. Para este pensador só o humor conduz à inteligência verdadeira, desempenhando uma relevante

função didática quando castiga e corrige maus hábitos, designadamente na esfera política.

Nos tempos mais recentes, tal como há século e meio, a caricatura não pretende apenas divertir ou fazer

rir, ambiciona também intervir socialmente, corrigir injustiças, fazer pensar. Agora com recurso a técnicas

digitais que ganharam grande popularidade e contribuem para novas formas de observar e interpretar o

mundo, mas mantendo as traves-mestras que remontam a épocas mais recuadas: exageração e simplificação,

numa linguagem muito própria que expressa pensamento crítico. Sem prestar vénias ao poder político, tenha a

cor que tiver.

O cartoon político tem vivido sob permanente ameaça neste século que regista muitos recuos em direitos

fundamentais, nomeadamente a liberdade de expressão e a liberdade de informação.

Já este século, o humor gráfico sofreu a mais dura pena: a condenação à morte. Desenhadores

dinamarqueses, como Kurt Westergaard e Lars Vilks, foram alvos de atentados e tiveram de receber proteção

policial em 2005 por ousarem caricaturar o profeta Maomé. Em 2015, um ataque terrorista à redação do jornal

satírico francês Charlie Hebdo provocou 12 vítimas mortais, incluindo os cartunistas Cabu, Charb, Honoré,

Tignous e Georges Wolinski.

Mesmo em países democráticos, as caricaturas políticas estão em regressão devido a insidiosos

mecanismos de autocensura. Como ficou patente na decisão, assumida pelo New York Times em 2019, de

deixar de publicar caricaturas políticas, refutando anteriores promessas de investir em formatos de jornalismo

visual.

Em Portugal, assistimos a um fenómeno semelhante, ainda que não assumido. Publicam-se hoje cada vez

menos caricaturas na nossa imprensa, os caricaturistas que restam são cada vez mais vilipendiados por

cometerem atentados ao bom gosto e apontados a dedo por deformarem rostos (essência da caricatura) ou

faltarem ao respeito devido a altas entidades. Como se nunca tivéssemos deixado de viver no País do

«respeitinho».

O célebre cartunista francês Plantu, fundador em 2006 da associação Cartooning for Peace, defende que o

desenho político publicado na imprensa seja reconhecido pela UNESCO como direito humano fundamental.

Conta, para o efeito, com o apoio da organização não governamental Repórteres Sem Fronteiras. «O humor é

pedra basilar da democracia», considera Plantu, colaborador permanente do jornal Le Monde.

O inventário nacional do património cultural imaterial abrange a capeia arraiana, o fado, a dieta

mediterrânica, a equitação portuguesa, o cavaquinho, a calçada portuguesa, os tapetes de Arraiolos, as

danças tradicionais da Lousa, o cante alentejano, a louça preta de Bisalhães, o barro de Estremoz, a festa em

honra de Nossa Senhora da Penha de França, as endoenças de Entre-os-Rios, o fabrico de chocalhos, a

falcoaria, a bateira avieira no rio Tejo, os caretos de Podence, o barco moliceiro, a arte xávega da Costa da

Caparica, as festas do povo de Rio Maior, o culto a Nossa Senhora da Piedade de Loulé, o canto dos reis em

Ovar, o teatro Dom Roberto, a festa em honra da Senhora dos Navegantes na ilha da Culatra, a Festa dos

Tabuleiros em Tomar e o carnaval de Torres Vedras, entre várias outras tradições culturais, sociais e

religiosas1.

Faz todo o sentido, neste contexto, incluir nesta lista a caricatura política, como expressão inconfundível da

liberdade de expressão, barómetro da saúde democrática e baluarte da resistência histórica aos períodos de

ditadura, com longa e frutuosa tradição em Portugal.

Assim, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, os Deputados do Grupo

Parlamentar da Iniciativa Liberal propõem que a Assembleia da República recomende ao Governo a seguinte

1 DGPC – Lista do Inventário Nacional do Património Cultural Imaterial (patrimoniocultural.gov.pt)