O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

II SÉRIE-A — NÚMERO 21

42

a constituição das SIGI, sociedades de investimento e gestão imobiliária. Este foi o contexto perfeito para o

crescimento do negócio, num período em que a política de juros baixos (e até negativos) empurrava os capitais

internacionais para a rentabilidade garantida do imobiliário.

A crise da habitação não é, assim, uma singularidade portuguesa, mas o fruto da conjugação entre a

liberalização dos mercados de habitação e a política monetária expansionista, à saída de uma crise financeira

que reduziu as taxas de rentabilidade do capital financeiro. Os Governos portugueses só agravaram esta

tendência, com as suas políticas de privilégio e desigualdade.

Com o apoio da legislação europeia, o imobiliário transformou-se numa classe de ativos para investidores

institucionais internacionais. Num estudo recente sobre a financeirização do mercado imobiliário na Europa1, os

economistas Daniela Gabor e Sebastian Kohl concluem que: «os imóveis residenciais da Europa tornaram-se

uma classe de ativos atraente para investidores em todo o mundo, apoiados por uma série de políticas

governamentais que visam ostensivamente os proprietários de imóveis: o apoio aos mercados imobiliários

aumenta os preços das casas e reduz a acessibilidade para os cidadãos, enquanto o apoio à renda para famílias

que pagam aluguer garante retornos estáveis para os investidores.»

Segundo o Banco de Portugal, a evolução do número de não residentes marcou o mercado imobiliário em

Portugal. Em novembro de 2023, os não residentes representavam 12,7 % do valor das transações (mais 2 p.p.

face a igual período de 2022), que estão particularmente concentradas em Lisboa, Porto e Algarve. Em 2023,

na área de reabilitação urbana de Lisboa, os estrangeiros foram responsáveis por 33 % das compras em número

de imóveis e 41 % em volume de investimento, correspondendo a 1580 transações no valor de 911,8 milhões

de euros. Esta tendência é acompanhada pelo aumento verificado na atribuição de vistos gold. Em 2023, foram

concedidos 725 vistos gold em Lisboa (+55 % do que em 2021) e 215 no Porto (+216 % do que em 2021).

Este processo de gentrificação e financeirização da habitação motivou a mobilização de cidadãos e

autoridades locais em várias cidades europeias. Em Barcelona e Berlim criaram-se políticas para o controlo das

rendas, enquanto em Amesterdão se optou por limitar por alojamento local e por medidas que impedem a

compra de casas para outros fins que não a habitação permanente. No Canadá, o governo do Partido Liberal

proibiu a venda de edifícios residenciais a estrangeiros, medida que já tinha sido implementada na Nova Zelândia

e que, recentemente, será também uma realidade nas ilhas de Ibiza, Maiorca e Menorca. Os defensores destas

medidas, cuja aplicação tem sido dificultada pelo poder dos interesses imobiliários, invocam o mesmo

argumento: a concorrência do capital financeiro e de não residentes endinheirados torna os preços das casas

incomportáveis para os cidadãos locais. Se esta é a realidade no Canadá, nos Países Baixos, na Alemanha ou

na Catalunha, mais o é em Portugal, onde os salários não competem, nem com o poder financeiro dos fundos

de investimento, nem como os rendimentos pessoais atraídos pelos regimes dos vistos gold, dos benefícios

fiscais a residentes não habituais, ou a especuladores.

A procura externa, alicerçada em rendimentos de capitais ou pessoais sem comparação em Portugal, não só

contribui para a inflação dos preços da habitação, como demonstra o Banco de Portugal, como inviabiliza as

tímidas medidas destinadas a promover a habitação, desviando recursos e vontades para os segmentos

turísticos e de luxo.

Como demonstram as experiências internacionais, o processo de inflação imobiliária requer medidas

excecionais, destinadas a proteger o direito à habitação. Para além da revogação das medidas de atração de

capital estrangeiro no imobiliário português, o Bloco de Esquerda vem propor a proibição da compra de imóveis

destinados à habitação por não residentes, sempre que estes se localizem em zonas de pressão urbanística.

Esta medida, adotada recentemente, em diferentes versões, pelos Governos dos Países Baixos e do Canadá

justifica-se pelo reconhecimento da situação de grave violação do direito constitucional à habitação, em nome

de interesses financeiros de curto prazo.

O Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda entende que não se verificam obstáculos de natureza legal ao

presente projeto, nomeadamente violações do direito comunitário. Desde logo, não é verdade que a legislação

nacional não possa estabelecer restrições à liberdade de circulação e de estabelecimento no espaço europeu.

Com efeito, e conforme Alexandre Mota Pinto, uma lei restritiva da liberdade de estabelecimento é lícita se: 1)

não contiver qualquer discriminação em razão da nacionalidade; 2) Este interesse público ainda não estiver

regulamentado ao nível comunitário e 3) For necessária, proporcional e adequada à prossecução desse

1 My home is an asset class. 2022