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17 DE OUTUBRO DE 2024

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proteção das crianças, com o objetivo de proteger as crianças de qualquer forma de violência, ou seja, de

todas as formas de violência física ou mental, lesões ou abusos, abandono ou tratamento negligente, maus

tratos ou exploração, incluindo o abuso sexual, fisicamente, em linha ou em mundos virtuais […]».

Nestes termos, e em consonância com as motivações já expressas, os proponentes visam a criação do

referido plano, a implementar em todo o território nacional, e a regulamentar pelo Governo – através da

Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças e Jovens –, no prazo de 90 dias, após

consulta prévia de diversas entidades, designadamente, de especialistas em violência contra crianças e

jovens, estruturas representativas de crianças e jovens, estruturas representativas de encarregados de

educação, estruturas representativas de pessoal docente e não docente e a Comissão para a Cidadania e a

Igualdade de Género.

Os proponentes definem ainda como objetivos do aludido plano: (i.) a sensibilização para as várias formas

de violência contra crianças e jovens; (ii.) a capacitação para a utilização segura de ferramentas digitais e para

a prevenção da produção e partilha de conteúdos digitais que podem ser ilegitimamente utilizados para a

prática de crimes contra crianças; (iii.) a capacitação de profissionais de setores prioritários, com especial

enfoque nos profissionais de saúde mental, para a prevenção, identificação e atuação em situações de risco

bem como para a identificação de sinais de exposição a eventos potencialmente traumáticos e respetivo

encaminhamento para os serviços de apoio especializados; (iv.) a implementação efetiva de conteúdos

educativos sobre a igualdade de género, não discriminação e direitos sexuais e reprodutivos em todos os

níveis de ensino e em todos os estabelecimentos de ensino; (v.) a comunicação e a coordenação entre as

entidades públicas e privadas; (vi.) a elaboração e disseminação de campanhas de sensibilização acerca das

várias formas de violência contra crianças e jovens.

Relativamente à conformidade da iniciativa ora em apreciação com os requisitos constitucionais e

regimentais, cumpre dar nota, em consonância com o vertido na nota de admissibilidade e, posteriormente, na

nota técnica elaborada pelos serviços da Assembleia da República, de que a iniciativa, ao determinar no seu

artigo 2.º que «o Governo, através da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das Crianças

e Jovens, regulamenta, no prazo de 90 dias, o Plano Nacional de Promoção da Segurança Digital e Presencial

de Crianças e Jovens […]» e, no seu artigo 3.º, que para a construção do plano se «consulta previamente»

diversas entidades, suscita questões sobre se estão em causa verdadeiras injunções de caráter juridicamente

vinculativo dirigidas ao Governo, o que a acontecer, suscita dúvidas ao nível da observância do princípio da

separação de poderes, subjacente ao princípio do Estado de direito democrático, previsto nos artigos 2.º e

111.º da Constituição, ou se as mesmas consubstanciam meras recomendações políticas, não ferindo, desta

forma, qualquer princípio constitucional.

Conforme ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira1, «as relações do Governo com a Assembleia da

República são relações de autonomia e de prestação de contas e de responsabilidade; não são relações de

subordinação hierárquica ou de superintendência», «pelo que não pode o Governo ser vinculado a exercer o

seu poder regulamentar (ou legislativo) por instruções ou injunções da Assembleia da República», não

podendo, por isso, a Assembleia da República «ordenar-lhe a prática de determinados atos políticos ou a

adoção de determinadas orientações». «Toda e qualquer imposição parlamentar só poderá valer, em princípio,

como recomendação ao Governo, cuja inobservância só pode ser sancionada em sede de responsabilidade

política» (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 214/2011).

A este propósito é ainda relevante mencionar o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 626/2022, que

declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de várias normas que dirigiam ao Governo a

imposição de um processo negocial prévio à adoção de determinada legislação, imposição esta que, como

refere o aresto, «limita ou delimita o espaço negocial do Governo».

Ante o exposto, cumpre concluir que, no caso vertente, e estando em causa a mera audição de entidades,

parece não existir uma injunção de caráter juridicamente vinculativo. Não obstante, sempre poderá o

proponente proceder à clarificação das normas suprarreferidas no decurso do processo legislativo.

I.2. Análise jurídica complementar à nota técnica

No que respeita à análise das matérias de enquadramento jurídico nacional, internacional e parlamentar,

1 Canotilho, J.J Gomes e Moreira, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada, II vol., 4.ª ed., Coimbra Editora, p. 415.