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II SÉRIE-A — NÚMERO 144

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PROJETO DE LEI N.º 388/XVI/1.ª

AUMENTA O PRAZO DE PRESCRIÇÃO PARA DENÚNCIA DE ABUSO SEXUAL DE MENOR,

ALTERANDO O CÓDIGO PENAL

Exposição de motivos

A Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, criou um prazo especial de prescrição do procedimento criminal para

os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual de menores, bem como para o crime de mutilação

genital feminina, no caso de a vítima ser menor, instituindo que o procedimento criminal não se extingue até

que a vítima perfaça 23 anos, alterando para tal o n.º 5 do artigo 118.º do Código Penal.

Esta disposição especial relativa ao prazo de prescrição previsto para estes crimes foi, na altura, um passo

importante no caminho para a justiça, procurando responder também à elevada reprovação social dos crimes

contra a liberdade e a autodeterminação sexual de menores.

Dezasseis anos volvidos, a Lei n.º 4/2024, de 15 de janeiro, procedeu a um novo alargamento do prazo

especial de prescrição do procedimento criminal previsto no artigo 118.º, n.º 5, do Código Penal, estendendo-o

até que a vítima tenha 25 anos, naquele que foi um aumento de dois anos do prazo especial, ainda assim

insuficiente, tendo em conta os objetivos jurídicos que se visam proteger com a referida norma, razão pela

qual cumpre reapreciar os seus fundamentos e cogitar sobre o seu novo alargamento.

O regime da prescrição do procedimento criminal existe porque o decorrer do tempo esvazia a finalidade

das penas, nomeadamente os seus objetivos de prevenção geral e especial. O que nem sempre é verdade. E

não é verdade para os crimes que atentem contra a liberdade e contra a autodeterminação sexual, uma vez

que, nestes crimes, o surgimento de uma denúncia pode ocorrer anos ou décadas mais tarde, quando já se

encontrem reunidas condições sociais de independência financeira e, também, familiar, que permitam à vítima

ter mais liberdade na decisão de denunciar estes crimes.

Uma vez que grande parte destes casos ocorre precisamente no meio familiar6, a independência familiar

tem ainda maior importância.

Ora, como os nossos jovens saem de casa, em média, entre os 33 e os 34 anos, o prazo de 25 anos

afigura-se insuficiente uma vez que, até estas idades, não têm os jovens portugueses independência

económica e financeira e logo, familiar, para denunciarem certos crimes que ocorreram no seio da família7.

Mais especificamente, o manual da rede CARE da APAV elenca como fatores que podem influenciar a

efetivação da denúncia i) a maturidade da vítima para diagnosticar ou verbalizar a violência que lhe foi

imposta, ii) a proximidade com a pessoa agressora, que não raras vezes só permite que as vítimas se

apercebam mais tarde das situações a que foram obrigadas, e, por último, iii) a eventual repercussão

económica resultante da denúncia.

Importa ainda lembrar que as denúncias podem motivar outras vítimas da mesma pessoa agressora a

virem narrar às autoridades as situações que vivenciaram, bem como a permitir a identificação de eventuais

testemunhas e de novas provas dos factos.

Neste caso particular e excecional, deve aceitar-se o alargamento do prazo de prescrição, por se tratar de

um crime que leva normalmente décadas até que as vítimas tenham o tempo interior necessário, e sempre

subjetivo, para revelar a violência a que foram sujeitas.

Lembramos ainda que a maioria dos agressores são adultos com uma perturbação grave de

personalidade8, e que estes têm dificuldade em assumir a prática de um ato criminoso, pelo que a reincidência

é comum, perpetuando a conduta criminosa. Prova disso é o relatório estatístico do projeto CARE da APAV,

relativo ao período compreendido entre 2016 e 2021, ao indicar que, em 55,6 % do total de situações

acompanhadas, os crimes ocorriam de forma continuada.

Ora, se a estabilização jurídica dos factos é inegavelmente um interesse jurídico relevante, o interesse da

vítima em proceder à denúncia num momento que respeite e vá ao encontro dos seus próprios «tempos»

também o é, pelo que se impõe neste caso concreto a ponderação de um equilíbrio entre estes interesses.

6Relatório Anual de Segurança Interna de 2023 7https://ec.europa.eu/eurostat/documents/4031688/15191320/KS-06-22-076-EN-N.pdf/7d72f828-9312-6378-a5e7-db564a0849cf?t=1666701213551 8Relatório Final: Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa pág. 77