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7 DE FEVEREIRO DE 2025

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determinadas pessoas coletivas de direito público, no caso versado sem relação de dependência administrativa

ou política com o mesmo Secretário de Estado, concluindo o órgão competente pela inexistência de

impedimentos a tal contratação, porquanto em causa não estava um negócio incluído no âmbito da tutela do

referido Secretário de Estado.

Tais entendimentos trazem, em bom rigor, a questão de saber se tal interpretação da lei cumprirá os

propósitos do regime de impedimentos ou se, a contrario, esvazia o escopo da mesma.

Senão, vejamos.

O regime de impedimentos tem como objetivo a garantia da imparcialidade da atuação administrativa. E,

recorrendo ao referido parecer, Maria da Glória Garcia e Tiago Macieirinha, onde em anotação ao artigo 69.º do

Código do Procedimento Administrativo referem que: «Assim, os específicos impedimentos vertidos no artigo

8.º destinaram-se a impedir que a suspeição do favorecimento pessoal ou familiar do titular do órgão ou do cargo

manche a imagem pública do próprio ente público, com prejuízo para a prossecução do interesse público e para

a consecução dos objetivos de imparcialidade e transparência que forçosamente o devem nortear ou que, por

seu turno, as empresas em cujo capital social participe, por si ou conjuntamente com pessoas do seu círculo de

confiança, não sofram o anátema de beneficiarem indevidamente de vantagens inerentes à sua particular

relação fiduciária com os titulares dos órgãos do poder e que, de outro modo, alegadamente, não obteriam.»

Ora, se assim sucede, é manifesto que o entendimento da Procuradoria-Geral da República no já aludido

caso suprarreferido, defrauda em absoluto os objetivos do regime de impedimentos, e, atingida a vontade de

beneficiar um familiar, pode falar com um colega de Governo para pedir que a contratação seja feita através da

sua tutela e não da do próprio. É verdade que o referido regime dificulta, mas não impede que tais situações

ocorram.

Certo é, todavia, que a Administração Pública deverá sempre atuar no sentido de tornar o regime de

contratação pública tão transparente quanto possível e, bem assim, dizimar quaisquer favorecimentos pessoais

na esfera governamental.

Com efeito, alinhando as preocupações com os restantes EM da UE e países terceiros, a Organização das

Nações Unidas aprovou a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, sendo que nas medidas

preventivas determina que «Cada Estado Parte deverá, em conformidade com os princípios fundamentais do

seu sistema jurídico, desenvolver e implementar ou manter políticas de prevenção e de luta contra a corrupção,

eficazes e coordenadas, que promovam a participação da sociedade e reflitam os princípios do Estado de direito,

da boa gestão dos assuntos e bens públicos, da integridade, da transparência e da responsabilidade», sendo,

inequivocamente, uma obrigação do Estado português atuar nesta matéria.

No fundo, existe o reconhecimento por parte da ONU e, consequentemente, dos seus Estados-Membros,

que a corrupção coloca em causa a estabilidade e a segurança das sociedades, mina a confiança dos cidadãos,

tanto nas instituições como nos valores democráticos; que os casos de corrupção envolvem, em muitos casos,

recursos dos Estados e que a aquisição ilícita de riqueza pessoal pode ser particularmente prejudicial para as

instituições democráticas, as economias nacionais e o Estado de direito, tendo, portanto, impactos profundos na

nossa sociedade.

Ao exposto acrescendo que, como plasmado no Índice de Perceção da Corrupção 20233, Portugal, que é

avaliado no conjunto dos países da Europa Ocidental e União Europeia, obteve 61 pontos, fixando-se na 34.ª

posição em 180 países, voltando assim a igualar a pontuação registada em 2020, a mais mal registada desde

2012, continuando abaixo do valor médio da sua região (65 pontos).

Outrossim, «A corrupção é vista como prática generalizada no nosso país por parte de 96 % dos portugueses,

um número que coloca Portugal como o segundo país na União Europeia (UE) onde a perceção deste crime é

maior, de acordo com o mais recente Eurobarómetro.»4

Tal perceção, comum à maioria, ou quase unanimidade entre os portugueses, afigura-se legítima, atentas as

diversas notícias sobre a celebração de negócios entre titulares de órgãos públicos e familiares, v.g., «Estado

contratou o pai, a mãe e o irmão da Ministra da Cultura»5, sendo noticiado um ano depois, sobre a mesma figura

do Estado uma outra notícia, desta vez do Polígrafo6, que questiona: «Empresa da família da Ministra da Cultura

3 Cfr. https://transparencia.pt/indice-de-percecao-da-corrupcao-2023/. 4 Vide Transparency International Portugal, disponível in https://transparencia.pt/cada-vez-mais-portugueses-consideram-a-corrupcao-como-pratica-comum-no-nosso-pais/. 5 https://www.sabado.pt/portugal/detalhe/estado-contratou-o-pai-a-mae-e-o-irmao-da-ministra-da-cultura 6 https://poligrafo.sapo.pt/fact-check/empresa-da-familia-da-ministra-da-cultura-voltou-a-celebrar-contratos-com-o-estado