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28 DE JULHO DE 1992

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Requerimento n.9 1252/VI (1.e)-AC de 22 de Julho de 1992

Assunto: Atitudes discriminatórias dos Serviços de

Estrangeiros e Fronteiras em função da raça. Apresentado por: Deputado António Costa (PS).

A Constituição da República proíbe qualquer discriminação em função da raça. Esta proibição decorre de uma atitude de defesa dos direitos do homem e de combate a qualquer forma de discriminação racial, consagrada nos textos fundamentais do Direito Internacional.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, na aplicação do Direito em vigor em matéria de entrada, permanência ou saída de estrangeiros, estão obrigados a respeitar essa proibição.

Têm surgido ultimamente queixas, de que a imprensa tem dado conta, de discriminações em função da raça ou da cor da pele, que, a serem comprovadas, teriam de dar lugar às medidas disciplinares e penais adequadas.

O semanário O Independente, de 24 de Maio de 1992, sob o título «Negros hábitos», escrevia: «Foi uma cena chocante. Que, oficialmente, nem sequer existe. Passou-se à porta de um avião da TAP, que ia para a África do Sul, no Aeroporto da Portela. Polícias e agentes à civil tentaram fazer entrar três negros à força dentro do avião. Houve gritos, pancada e pânico. Os negros acabaram por ficar em terra e agora ninguém sabe deles. O apartheid mudou-se?».

O artigo que, para efeitos de publicação no Diário da Assembleia da República, se dá por integralmente reproduzido faz graves acusações à actuação da «polícia» no Aeroporto da Portela, que exigem ser esclarecidas.

O semanário O Jornal, de 17 de Julho de 1992, escreve na primeira página: «Serviço de Estrangeiros acusado de racismo — Um incidente com uma mulher africana, possuidora de passaporte suíço, levanta suspeitas sobre a actuação do SE no Aeroporto de Lisboa.» Na p. 18, a notícia é desenvolvida, dizendo-se em título: «Cenas no Aeroporto —A funcionária, o inspector e a passageira — Na Portela uma cidadã suíça comeu o pão que o diabo amassou. Tudo porque era negra.» O artigo, que se dá como reproduzido para efeito de publicação no Diário da Assembleia da República, faz graves acusações ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras.

Uma leitora, identificada, em carta publicada no jornal Público, de 20 de Julho de 1992, a p. 18, e que se dá como reproduzida, para efeito de publicação no Diário da Assembleia da República, confirma esta última acusação. Na sua carta fala mesmo em «espancamentos e abusos de autoridade principalmente com passageiros de cor», de que é particularmente acusado «um inspector do SEF».

São demasiadas as denúncias, para passarem em silêncio.

Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, requeiro a V. Ex.° que, pelo Ministério da Administração Interna, me sejam prestadas as seguintes informações:

1) O que é que o Ministério da Administração Intenta tem a dizer relativamente às acusações acima referidas de discriminação racial e violência de que são acusados os serviços policiais a quem cabe controlar a entrada de estrangeiros no País?

2) Foi instaurado o competente inquérito para averiguar da veracidade das imputações que com redundância vêm sendo publicitadas?

3) Em caso afirmativo, qual o prazo fixado para a sua conclusão e, caso já esteja concluído, quais as suas conclusões?

4) Para além dos casos concretos sempre referenciados, quais são, discriminadamente, as condições exigidas pelo SEF aos estrangeiros que se apresentam nas fronteiras nacionais com a intenção de entrar em território nacional?

5) Designadamente, o SEF exige a esses estrangeiros a posse de uma quantia mínima que assegure a sua subsistência em território nacional? Em caso afirmativo, qual o montante dessa quantia?

Junto. — Três documentos, que se consideram reproduzidos para efeito de publicação no Diário da Assembleia da República, II Série.

Negros hábitos

Foi uma cena chocante. Que, oficialmente, nem sequer existe. Passou-se à porta de um avião da TAP que ia para a África do Sul, no Aeroporto da Portela. Polícias e agentes à civil tentaram fazer entrar três negros à força dentro do avião. Houve gritos, pancada e pânico. Os negros acabaram por ficar em terra e agora ninguém sabe deles. 0 apartheid mudou-se?

O avião estava pronto para partir. Os passageiros, meio ensonados, preparavam-se paia enfrentar as oito horas de voo que separam Lisboa da África do Sul. De repente, já fora, nas escadas do avião, começou a ouvir-se um burburinho. Pouco a pouco, o barulho começou a aumentar de tom. Os passageiros viravam-se nas cadeiras tentando ver de onde é que vinham aqueles gritos. Foi então que conseguiram vislumbrar uma cena mais que surrealista: uma série de polícias e homens vestidos à civil que batiam furiosamente em três negros sul-africnnos e empurravam--nos à força para dentro do avião. Não, não foi ein Joanesburgo, foi em Lisboa, na semana passada.

Segundo O Independente pôde apurar, tudo começou quando os sul-africanos decidiram sair do seu país e ir até França tentar melhor sorte. Organizaram a sua vida e meteram-se num avião rumo a Paris. De acordo com a mesma fonte, os três sul-africanos devem ter tido um problema com a obtenção do visto para França e não puderam entrar no País.

Do resto da história pouco se sabe. E o mais curioso é que oficialmente esta cena, não aconteceu. A polícia do Aeroporto da Portela, contactada por O Independente, não ouviu falar de nada e uin funcionário da Embaixada da África do Sul em Lisboa uunbém afirmou que não tinham tido nenhuma comunicação do caso. No entanto, os cerca de 100 passageiros e membros da tripulação que assistiram à cena não se vão esquecer tão cedo. É que a gritaria e a violência foi de tal maneira que muitos dos que estavam dentro do avião apanharam um susto de morte. Os três sul--africanos, esses, ainda não devem estar refeitos.

De acordo com uma fonte que assistiu a tudo, via-se os polícias a bater nos negros. Um deles foi puxado desde o princípio das escadas até cá a cima pelos colarinhos e outro entrou no avião com um polícia a torcer-lhe os braços. Segundo a mesma fonte, os sul-africanos estavam completamente aterrorizados e gritavam, num francês correcto, que não queriam ir para a África do Sul, mas sim para Paris.