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II SÉRIE-B — NÚMERO 29

A mesma fome contou a 0 Independente que um dos negros acenava mesmo com um bilhete de avião com a mão que tinha livre —a outra estava toda torcida atrás das costas pelo polícia e gritava para quem o queria ouvir que o que estava ali escrito era Paris.

Entretanto, com o desenrolar da cena, os passageiros começaram a ficar nervosos. Muitos levantaram-se e abriram as bagageiras para tirar as suas coisas e ir embora. Outros, mais em pânico, gritavam. Foi o caos total.

Valeu-lhes a determinação do comandante do avião, que conseguiu resolver o assunto: proibiu terminantemente que os três sul-africanos entrassem â força e contra a sua von-lade no avião, que estava sob a sua responsabilidade. Assim mesmo.

Os polícias não tiveram outro remédio se não virar costas e sair do avião, arrastando os três negros pela escada abaixo.

O resto da história fica por contar porque, como ficou dito, oficialmente ela não existe. «Mesmo que os sul-africanos não tivessem autorização para estar em Portugal não é razão para tratar as pessoas assim», afirmou-nos um passageiro chocado com a cena.

Minutos depois, o avião descolava rumo a África do Sul. O tal país do apartheid.

R. A.

Cenas no Aeroporto

A funcionária, o inspector e a passageira

Na Portela uma cidadã suíça comeu o pão que o diabo amassou. Tudo porque era negra

Da história temos duas versões. Uma dramática. Outra a desdramatizar. A primeira descrita numa carta enviada a vários jornais, começa com a referência a casos «escandalosos» de espancamentos e abusos de autoridade regisiados no Aeroporto da Portela. Mas o destaque é dado a um incidente que, ao que tudo indica, ocorreu na manhã de sábado, 27 de Junho, na zona de trânsito internacional.

Foi naquela data que uma passageira negra, de nacionalidade suíça, tendo tido o azar de perder o avião da TAP de Lisboa para Genève, foi impedida por agentes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de passar da alfândega para a zona considerada território nacional, local onde, aliás, se encontra o balcão de emissão de bilhetes da companhia portuguesa ao qual ela devia dirigir--se a fim de fazer uma reserva para o voo seguinte.

Municia de um passaporte suíço, a passageira, que teria recorrido ao guichet da TAP da sala de trânsito pedindo ajuda, poderia ultrapassar livremente a «fronteira» porque, em conformidade com os acordos entre Portugal e a Suíça, para os cidadãos desses países não se exigem sequer vistos de entrada.

Convencida de que se tratava de um mal-entendido, a assistente de lerra do balcão da TAP Hona Bolck, resolveu acompanhar a viajante até ã allãndega para esclarecer a situação. Cansada das longas horas de voo que fizera do Brasil a Lisboa, e sem compreender o que estava a acontecer, a passageira pôs-se a chorar.

Afinal, segundo a narradora da denúncia, o inspector de serviço naquele dia, José António Correia, não deixou a cidadã suíça passar na alfândega porque «não lhe apetecia». Atitude essa que, para os intervenientes na história, foi interpretada como sendo «racista».

A funcionária da TAP tentou demover o inspector. No entanto, foi «agredida e teria levado um murro no peito onde tinha pendurado o cartão de identificação, obrigada a identificar-se e a ter de acompanhar o agente do SEF ao seu gabinete».

Hona Bolck não chegou a ser «detida» na sala do inspector. A intervenção de elementos da companhia aérea nacional e da ANA foi suficiente para acalmar os ânimos. Por outro lado, as funcionárias do balcão de emissões dos bilhetes tiveram de se deslocar à zona de trânsito para atender a passageira negra.

A outra versão

Desta versão da história não derivou qualquer queixa formal ao SEF, mas tão-somente um relatório intento na TAP, no qual a funcionária afectada descreve o que teria acontecido. Contactado por O Jornal, o director do SEF, Daniel Sanches, admite que tenha havido «um incidente» e relata-o de acordo com o que consta dos depoimentos de cinco testemunhas (agentes do SEF e um empregado da ANA).

A funcionária da TAP tentou impor a passagem da cidadã suíça, em trânsito, pelo canal destinado às pessoas autorizadas a circular no Aeroporto — trabalhadores e outros elementos devidamente identificados. E isto sem qualquer necessidade, visto que o problema da passageira poderia ser resolvido na zona internacional onde existem balcões para o efeito, diz.

Daniel Sanches reconhece que a passageira eslava habilitada a ultrapassar a fronteira, mas não por aquela via, vedada aos viajantes. Além disso, na sua opinião «não se passam fronteiras como quem salta à corda».

Segundo a mesma fonte, a assistente de terra teria insistido em colocar-se através da zona interdita «por ser mais perto do balcão de emissões» e isto considerando as obras em curso no Aeroporto.

Quanto à acusação de violência por parte do inspector José António Correia, o director do SEF desmente-a dizendo que o agente teria apenas tentado ler o cartão de identificação da assistente, escondido pela lapela do casaco.

O caso, do qual não recebeu qualquer comunicação da TAP ou de outra entidade, é considerado por Daniel Sanches «sem importância» e ele julga que a pessoa que o denunciou é «desequilibrada e revanchista».

No entanto, revela que já foi obrigado, perante queixas fundamentadas, a levantar inquéritos e a impor processos disciplinares. Refere, a título de exemplo, que as informações sobre três indivíduos sul-africanos negros empurrados a força da pancada dentro de um avião para Joanesburgo, publicadas num artigo do semanário 0 Independente, foram sujeitas a averiguações. Conclusão: nem a TAP nem a ANA e tâo-pouco a PSP declararam conhecer o caso.

Chegadas difíceis

Mas há quem não acredite naquele tipo de inquéritos e acuse as autoridades das fronteiras de serem «discriminatórias» e «racistas». Os cidadãos dos PALOP são os que mais sofrem com a polícia de imigração. Todas as semanas chegam ao Aeroporto da Portela dezenas de guineenses, angolanos, cabo-verdianos e moçambicanos e muitos deles não pisam sequer o solo português. Permanecem «relidos» na tal zona neutra, internacional, após terem respondido a um longo interrogatório por parte dos agentes do SEF.