O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

96-(30)

II SÉRIE-B — NÚMERO 23

Da análise individualizada das normas do Código Penal acima referidas decorre que a intromissão nos domínios de privacidade nelas referenciados será punível quando a acção for praticada contra a vontade, expressa ou presumida, de quem de direito (artigos 176." e 177.°); quando houver intenção de devassar (artigos 178.° e 180.°); quando não houver justa causa nem consentimento de quem de direito (artigo 179.°) ou quando se não verificar o requisito de consentimento de quem de direito (artigo 182°).

A exigência de verificação destes elementos para configuração da acção como criminosa chama a atenção para a existência de domínios de permissão, os quais podem coincidir com os limites extrínsecos dos direitos cuja protecção se visou assegurar com a incriminação, como tais se entendendo as restrições que decorrem do confronto com o objecto de outros direitos.

Assim, na ausência de regulamentação especial, a quase totalidade das acções descritas nos artigos 179.° e 180.° não é punível, desde que à respectiva prática presida a intenção de realização de interesse ou de satisfação de direito a que a lei atribua tutela equivalente.

Quer a Constituição da República quer os instrumentos internacionais em que esta, neste domínio, se inspira prevêem limites ao conteúdo dos direitos que se prendem com a intimidade da vida privada e familiar, tendo como pressuposto a salvaguarda de outros bens ou interesses e, como medida, a exigência de protecção de que estes últimos carecem.

A Convenção Europeia dos Direitos do Homem proclama que «qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e correspondência» e proíbe a «ingerência de autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem-estar económico do País, a defesa da ordem e a prevenção de infracções penais, a protecção da saúde ou da moral, ou a protecção dos direitos e das liberdades de terceiros» — artigo 8.°

A Constituição, depois de proclamar, no n.° 1 do artigo 34.°, a inviolabilidade do domicílio, do sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação, enuncia nos n.os 2 e 4 da mesma disposição o quadro em que tal regra pode ser excepcionada, assim definindo as limitações de que podem ser alvo aqueles direitos:

2 — A entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstas na lei.

3— ........................................................................

4 — É proibida toda a ingerência das autoridades públicas na correspondência e nas telecomunicações, salvo os casos previstos na lei em matéria de processo criminal.

Das normas antes transcritas resulta que o juiz, mas apenas o juiz, pode determinar a entrada no domicílio de um cidadão, contra a vontade deste, mas resultando que a quebra do segredo do conteúdo da correspondência e das comunicações privadas só pode ocorrer excepcionalmente e nas condições previstas nas leis de processo penal.

A intercepção e gravação de conversações ou comunicações é concebida, no processo criminal, como meio de obtenção de prova, o mesmo ocorrendo com as apreen-

sões— artigos 178.° e 187.° e seguintes do Código de Processo Penal.

Aquele procedimento, para além de depender de autorização judicial, apenas é admissível no âmbito de um inquérito crime, tal como se concluiu no parecer do Conselho Consultivo n.° 92/91, cuja doutrina se tomou vinculativa para o Ministério Público, por força da circular n.° 7/92, de 27 de Abril.

A apreensão da correspondência, como regra, deve ser determinada pelo juiz, no processo penal, apenas se excepcionando a preeminência de autorização judicial no contexto das medidas de polícia tipificadas no Código de Processo Penal, situação em que os órgãos de polícia criminal a ela podem proceder.

Porém, o acesso ao conteúdo da correspondência é reservado exclusivamente ao juiz, para tanto lhe devendo ser remetida intacta pelo órgão da polícia criminal que proceder à apreensão — artigo 252.° do Código de Processo Penal.

A Lei n.° 30/84 contém uma norma expressa de acordo com a qual os funcionários ou agentes dos serviços de informações não podem exercer poderes, praticar actos ou desenvolver actividades do âmbito ou competência específica dos tribunais ou das entidades com funções policiais, sendo-lhes, designadamente, proibido proceder a detenções ou instruir processos penais — artigo 4.°, n.os 1 e 2, do diploma citado.

Os diplomas orgânicos do SIED e do SIS contêm prescrições e proibições de idêntico teor — cf. os artigo 3.° dos Decretos-Leis n.os 224/85 e 225/85.

Daquelas proibições decorre a impossibilidade de os funcionários e agentes dos serviços de informações exercerem actividades de polícia ou praticarem quaisquer dos actos reservados na lei processual penal à autoridade judiciária, os órgãos de polícia criminal e às autoridades de polícia criminal.

A Constituição da República consagra, no n.° 2 do artigo 272.°, o princípio da tipicidade das medidas de polícia, estabelecendo que estas são as previstas na lei.

Para além das medidas de polícia previstas no Código de Processo Penal e cuja execução é cometida aos órgãos de polícia criminal, há um elenco de medidas estabelecido na Lei n.° 20/87 (Lei de Segurança Interna) cuja aplicação pode ser determinada pelas autoridades de polícia, como tal ali especificadas — artigos 15.° e 16.° do diploma citado.

Embora o SIS exerça funções de segurança interna, os seus dirigentes não integram o elenco das autoridades de polícia enunciado naquela lei. Daí que lhe esteja igualmente vedada a possibilidade de determinar a aplicação das medidas previstas pela Lei n.° 20/87.

Em obediência ao comando da norma do n.° 4 do artigo 35° da Constituição, a Lei n.° 10/81, de 29 de Abril, veio definir as regras de constituição, utilização e acesso de bancos e bases de dados, de molde a assegurar a compatibilização entre o uso da informática e o respeito pelo direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar e pelos demais direitos, liberdades e garantias dos cidadãos 22.

22 Sobre a protecção de dados pessoais face à informática, Garcia Marques, Portugal — Lei de Protecção de Dados Pessoais face à Informática, Lisboa, 1988, e também Informática e Vida Privada, separata do Boletim do Ministério da Justiça, n.°373, Lisboa, 1988.