0071 | II Série B - Número 012 | 20 de Janeiro de 2001
da liberdade contratual e ao esmaiecer do carácter fortemente vinculístico da legislação sobre arrendamento urbano.
Os traços que têm caracterizado a disciplina jurídica dos contratos de arrendamento em Portugal são análogos aos que definem o seu enquadramento legal em outros países mais próximos de nós, pela cultura e pela legislação, a saber:
a) Prorrogação forçada do contrato sempre que o arrendatário a pretenda; bloqueio e controlo estatal das rendas;
b) Decretação destas providências como soluções de conjuntura, com a afirmação repetida da sua natureza transitória;
c) Carácter de interesse público, timbrado por disposições legais injuntivas, que fazem excepção ao princípio da autonomia privada para assegurarem a justiça social que se pretende preservar.
A história do arrendamento urbano vinculístico em Portugal pode distribuir-se por três períodos distintos:
a) Um primeiro período, que vai até 1986, data em que se venceu a barreira do bloqueio absoluto das rendas habitacionais;
b) O segundo, que se estende daí até à entrada em vigor, em 1990, do regime de arrendamento urbano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro;
c) E o terceiro e último período, de 1990 até à actualidade, a propósito do qual faremos uma breve análise das traves-mestras que estruturam o regime jurídico vigente.
Em Portugal as providências vinculísticas já tinham começado a surgir muito antes da I Grande Guerra. Com o decreto de 12 de Novembro de 1910 estabeleceu-se o carácter de ordem pública na legislação de arrendamento de prédios urbanos (artigo 39.º,) criando-se, além disso, alguns bloqueios temporários de rendas (artigos 9.º e 34.º, a contrário). Em 1966, com o artigo 1095.º do Código Civil estabeleceu-se a prorrogação forçada dos arrendamentos para habitação, para comércio ou indústria, e para o exercício de profissão liberal, assim se institucionalizando os arrendamentos vinculísticos. Por seu turno, as actualizações quinquenais que, em certos casos, vieram a ser permitidas com a Lei n.º 2030, de 22 de Junho de 1948, adoptaram o sistema das avaliações fiscais, sendo que os agentes fiscais, cumprindo as instruções da Administração, cingiram-se aos critérios do poder, com base nos quais as "avaliações" consagram sempre rendas políticas de aumentos simbólicos.
Em virtude deste sistema vinculístico, as rendas dos prédios urbanos vieram naturalmente a fixar-se, ao longo de tanto tempo, em padrões baixíssimos.
Com a revolução de 1974 assistiu-se ao regresso de numerosos colonos e, em breve, começou a proclamar-se a existência de um défice da balança habitacional, da ordem dos 800 000 fogos. A 20 de Setembro de 1985 foi aprovada a Lei n.º 46/85, depois completada com o Decreto-Lei n.º 13 786, de 23 de Janeiro, e a Portaria n.º 227/86, de 20 de Maio. Esta legislação estabeleceu um sistema de bloqueio de rendas mitigado, com actualizações anuais de rendas em função dos índices de preços no consumidor. Esta legislação teve o mérito de ter posto termo ao bloqueio absoluto das rendas habitacionais que, no resto do país, com uma inflação galopante, se mantinha há 12 anos e, em Lisboa e Porto, por quase quatro décadas. Inovadora foi ainda a substituição das actualizações das rendas através do processo das avaliações fiscais pelo critério dos coeficientes aferido pelo índice de preços no consumidor, excluídos os de habitação.
A 15 de Outubro de 1990 foi publicado o Decreto-Lei n.º 321-B/90, que aprovou o chamado regime do arrendamento urbano, alterado pelo Decreto-Lei n.º 278/93, de 10 de Agosto, e pelo Decreto-Lei n.º 275/95, de 30 de Setembro.
A mais importante inovação trazida por esta legislação foi a exclusão da prorrogação forçada para os novos contratos de arrendamento para habitação, desde que convencionados por um período mínimo de cinco anos (de três anos se o senhorio for uma sociedade de gestão e investimento imobiliário ou um fundo de investimento imobiliário - artigo 98.º). Em matéria de transmissão do contrato de arrendamento por morte do arrendatário, esta possibilidade deixou de se verificar se o transmissário dispuser, à data da morte do arrendatário, de casa para residência própria, no local ou área considerada do prédio arrendado (artigo 86.º). Atribuiu-se ao senhorio o direito de preferência em caso de trespasse de estabelecimento comercial e no de cessão de posição de arrendatário para o exercício de profissão liberal; consagrou-se a extensão do direito de denúncia do arrendamento pelo senhorio ao caso de necessidade de habitação dos seus descendentes em 1.º grau; sujeitou-se os despejos de arrendamentos para habitação de duração limitada ao processo de execução ordinária para entrega de coisa certa.
Depois desta breve incursão histórica ao regime jurídico do arrendamento urbano, cumpre proceder à apreciação das pretensões deduzidos pela requerente.
A) Pretende a peticionante que sejam revogadas as normas do Regime de Arrendamento Urbano (RAU) - Decreto-Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro, designadamente as dos artigos 68.º a 73.º e substituídas por normas que permitam a denúncia pelo senhorio, com a antecedência suficiente que permita a normal mudança do inquilino, garantindo o direito ao alojamento dos inquilinos que objectivamente não possam comprar nem arrendar casa num determinado perímetro.
A disciplina jurídica fundamental sobre a denúncia do contrato de arrendamento urbano encontra-se inserta nos artigos 68.º a 73.º do RAU, mas prevê-a, além disso, também o artigo 100.º, n.º 2, e, ainda com esse nome mas impropriamente, nas hipóteses constantes dos artigos 89.º-A, n.º 1, 89.º-B, n.º 2, e 89.º-C, n.º 3.
A denúncia do contrato de arrendamento, na acepção perfilhada pelo RAU, consiste na manifestação de vontade de um dos contraentes perante o outro, comunicado com determinada antecedência, segundo os casos, de que o contrato cessará na data da expiração do termo respectivo, ficando deste modo excluída a prorrogação legal.
A diversidade de regime a que obedece a denúncia do contrato de arrendamento consoante a parte que a requer - vide n.os 1 e 2 do artigo 68.º -, livre para o arrendatário e só possível para o senhorio nos casos previstos na lei e segundo a forma nela estabelecido, "tem já uma tradição relativamente longa e bastante forte" - Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil, Vol. II, 4.ª Ed..
Sabe-se que a partir da legislação vinculística surgida aquando da I Guerra Mundial, se restringiu significativamente a possibilidade de despejo dos prédios arrendados para habitação por parte do senhorio. "Foi uma solução... que surgiu com carácter declaradamente transitório em quase