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II SÉRIE-B — NÚMERO 20

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em análise.

Consagração do bem-estar animal na Constituição

A discussão em torno da expressa previsão do bem-estar animal no texto constitucional decorre já há largos

anos, em grande parte inspirada pela realidade comparada. Efetivamente, seja através de previsão expressa e

autónoma, seja através da sua previsão no quadro da tutela ambiental, são já muitas as Constituições que

acompanharam a evolução da respetiva legislação ordinária e consagraram a matéria – no plano europeu, por

exemplo, destacam-se os casos da Alemanha e da Suíça.

Todavia, o debate adquiriu uma nova centralidade e atualidade na sequência do Acórdão n.º 867/2021, do

Tribunal Constitucional, que, no quadro de um processo de fiscalização concreta da constitucionalidade, julgou

inconstitucional a norma incriminadora do artigo 387.º do Código Penal abrindo um debate jurídico-constitucional

em torno de dois argumentos fundamentais: a impossibilidade de criminalização da conduta por ausência de

bem jurídico expressamente consagrado na lei fundamental (determinando, consequentemente, a ausência de

credencial para restringir direitos fundamentais conforme exigida numa determinada leitura do n.º 2 do artigo

18.º da Constituição) e/ou a ausência de determinabilidade dos conceitos constantes da norma incriminadora (o

que ditaria uma violação do princípio da legalidade criminal, exigido pelo n.º 1 do artigo 29.º da Constituição).

Quanto ao primeiro problema, a leitura algo rigidificante de que a proteção do bem-estar animal prevista no

artigo 66.º se revelaria insuficiente para evidenciar um bem jurídico com relevo na ordem axiológica da

Constituição Portuguesa não mereceu o acolhimento unânime dos conselheiros que participaram na decisão da

3.ª secção (registando-se dois votos de vencido afastando-se daquele entendimento). Posteriormente, no

Acórdão n.º 843/2022, esse entendimento já não seria acolhido pela 1.ª secção do Tribunal na decisão proferida

sobre a mesma norma. Todavia, na ausência de uma decisão em sede de fiscalização abstrata sucessiva que

afaste a leitura redutora da Constituição, apenas uma intervenção do legislador constituinte poderá servir uma

clarificação definitiva da matéria. Nesse sentido, as propostas apresentadas no processo de revisão

constitucional em curso (que se antevê venha a ser dado por caducado no momento da dissolução da

Assembleia da República anunciada para o próximo dia 15 de janeiro) supririam em definitivo a dificuldade,

correspondendo ao solicitado pelos peticionários. Ainda que possa uma intervenção do Tribunal vir a clarificar a

matéria é, pois, desejável que em futuro processo de revisão constitucional a matéria possa ser definitivamente

inscrita no texto da Constituição (no artigo 66.º ou no quadro de normativo autónomo). Sublinhe-se, aliás, que

também outras forças políticas que não incluíram a matéria nos seus projetos de revisão mostraram a sua

adesão à solução proposta.

Quanto ao segundo problema de constitucionalidade, transversal a todas as decisões produzidas pela 1.ª e

pela 3.ª secções (Acórdãos n.os 867/2021, 781/2022, 843/2022, 9/2023 e 217/2023), ainda que com a presença

de votos de vencido, o mesmo assentaria na identificação de uma ausência de determinabilidade de alguns dos

conceitos usados na norma incriminadora ao nível do objeto e dos comportamentos a reconduzir ao tipo,

conduzindo a um juízo de inconstitucionalidade por violação da tipicidade penal constitucionalmente exigida pelo

n.º 1 do artigo 29.º. Ora, confirmando-se um entendimento estabilizado nesta sede, estaríamos nesta

circunstância perante uma necessidade de densificação dos conceitos, por via de uma revisão dos artigos 387.º

e seguintes do Código Penal nos termos já aludidos supra, a saber, o conceito de animal (em particular de

animal errante caso o conceito subsista na lei), a definição das condutas reconduzíveis a maus tratos ou

clarificação dos motivos legítimos para utilização de um animal. Em suma, também quanto a esta segunda

dimensão as petições vêm ao encontro do problema principal com o qual se depara a tutela penal dos animais,

sendo desejável que na próxima legislatura o tema possa ser retomado e encerrado nos dois planos.

VI. CONCLUSÕES E PARECER

1 – A Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias admitiu, respetivamente, a

21 de março de 2023, a Petição n.º 124/XV/1.ª – Em defesa da Lei que criminaliza os maus-tratos a animais –

Maltratar um animal tem de ser crime em Portugal, subscrita por Coletivo Animal, com 92 589 assinaturas, a 20

de setembro de 2023, a Petição n.º 212/XV/2.ª – Pela Faia. Pela consagração constitucional do bem estar animal