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18 DE MAIO DE 1991

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dadc (material) do artigo 5.9 do Dccreto-Lci n.9 553/76, dc 13 de Julho, que define os termos cm que poderão ser colhidos no corpo dc pessoa falecida tecidos ou órgãos necessários para transplantação c outros fins terapêuticos.

A posição então assumida pelo Provedor de Justiça ba-scou-sc no excelente parecer elaborado pelo assessor Dr. Carlos Soares dc Brito, depois publicado na Revista da Ordem dos Advogados, ano 48, Abril de 1988, pp. 239-266.

1.2 — Dispõe aquele artigo 5." do Dccreto-Lci n.9 553/76:

Os módicos nao podem proceder à colheita quando,

por qualquer forma, lhes seja dado conhecimento da oposição do falecido.

1.3 — Em síntese, era esta a argumentação aduzida no parecer, adoptada pelo Provedor de Justiça:

Reconhece o artigo 5.9 o direito de oposição do falecido; só que não viabiliza o seu exercício.

A vontade do falecido, eventualmente contrária à colheita, apenas poderá ser comunicada aos médicos por terceiros. Mas, para isso, necessário se toma que eles tenham conhecimento da morte; assim, pelo menos os parentes mais próximos.

Não tem a família, ela própria, um direito dc oposição, não lhe cabendo autorizar a colheita. Mas deve ter o direito a conhecer da morte, para poder transmitir aos médicos a vontade expressa ou tácita do falecido.

Ao omitir a notificação do óbito ao círculo de pessoas capazes de fazer essa transmissão de vontade, compromete o artigo 5." o exercício do direito dc personalidade à disposição do corpo e, por decorrência, viola o n.9 1 do artigo 25." da Constituição (direito à integridade pessoal), o n.9 1 do artigo 26.° (outros direitos pessoais), os n." 1 e 2 do artigo 37.9 (liberdade de expressão e informação) e, reflexamente, o n.9 1 do artigo 41.9 (liberdade dc consciência).

Acresce que o artigo 5.9 do Dccreto-Lci n.9 553/76 deveria fixar um prazo para ser comunicada aos médicos a oposição do falecido e, simultaneamente, para a formação do silencio a partir do qual os médicos ficariam habilitados a efectuar a colheita.

2.1 — No Acórdão n.9 130/88, de 8 de Junho de 1988 (Diário da República, 2} série, n.9 205, de 5 dc Setembro de 1988, p. 8101), entendeu o Tribunal Constitucional, embora com três votos dissidentes, não ser de declarar a inconstitucionalidade.

Considerou, desde logo, ser liminarmente dc afastar a invocação dos artigos 37.° (liberdade de expressão e informação) e 26.9, n.8 1, da Constituição. Isto porque a liberdade de expressão e informação tem a ver com o direito dc manifestar publicamente ideias e factos c não com declarações dc vontade ou de ciência entre simples particulares; por outro lado nenhum dos direitos pessoais elencados no artigo 26.9, n.° 1, pode assumir relevo directo na hipótese.

Quanto ao direito à integridade pessoal (artigo 25.9, n.9 1), não sendo já o cadáver uma «pessoa», tem de se excluir a possibilidade de a colheita atentar contra a integridade «pessoal» de um cadáver..

2.2 — Problematizou, no entanto, o Tribunal Constitucional a questão noutro plano. Enquanto viva, tem a pessoa o direito a opor-sc à utilização do seu próprio cadáver para recolha de tecidos ou órgãos, «ao menos quando fun-

dado em razões éticas, filosóficas ou dc carácter religioso». A esse direito é de reconhecer relevo constitucional, num sistema radicado na dignidade da pessoa (artigos l.9 e 2.s da Constituição).

Só que o défice de regulamentação que o artigo 5.9 denota, não instituindo formalismos ou mecanismos desburocratizados para captar a vontade do falecido, poderá ser suprido por um ónus de zelo da pessoa enquanto viva, tomando então providências para que a sua oposição seja conhecida em lempo oportuno. E a imposição de um prazo

somente a partir do qual os módicos ficariam habilitados a

efectuar a colheita inviabilizaria muitas intervenções determinadas por interesses sociais cm igual plano merecedores dc tutela.

3.1 — Na sua declaração dc voto dissidente acompanha o conselheiro Raul Mateus o acórdão enquanto este atribui relevo constitucional ao direito dc oposição à colheita. Mas assinala uma vertente que a seu ver confere maior premência ao eficaz exercício do direito. É que os órgãos ou tecidos transplantados não morrem, em termos biológicos, com a pessoa a cujo corpo originariamente pertenciam. Sobrevivem-lhe, continuando a desempenhar as funções que lhe são típicas, embora integradas nos sistemas vitais do corpo beneficiário do transplante. Essa mescla de duas individualidades corporais não poderá ocorrer à revelia da pessoa de cujo cadáver se irão colher os órgãos ou tecidos.

Ora, se é certo que para assegurar plenamente o exercício do direito fundamental de oposição bastaria à lei impor às pessoas o ónus dc, cm vida, declararem essa vontade, não menos certo é que à declaração dc vontade produzida teria dc ser assegurada pelo menos uma provável eficácia prática — por exemplo, determinando a lei a armazenagem das declarações em computador centra! cujo banco dc dados fosse susceptível dc consulta através dc terminais existentes nos diversos estabelecimentos hospitalares. Mas nada disto sucede. Não é facultado o exercício efectivo do direito de oposição. «De que serviria, na verdade, que uma pessoa trouxesse permanentemente na carteira uma declaração dc proibição dc colheita — recurso porventura ü'pico e próprio dc um cidadão prudente, face ao apontado vazio legal — sc os médicos não tivessem, dc maneira alguma, o dever de aí a procurar?» Aliás este sistema resultaria altamente falível, já que as pessoas dc cujos cadáveres se recolhem órgãos ou tecidos para transplantes são, por regra, as vítimas de acidentes. Ora será comum a perda, por parte dos acidentados, da documentação que lhes respeita.

Daí que, na realidade das coisas, o facto dc o artigo 5.9 do Decreto-Lei n.9 553/76 não obrigar os médicos, previamente à colheita de órgãos ou tecidos, a qualquer contacto com pessoas do círculo mais íntimo do falecido, com vista à captação da vontade deste (único meio verdadeiramente possível e eficaz) afecta o direito à disposição do próprio cadáver.

Quanto à fixação dc um lapso de tempo para a transmissão, por parte de familiares e amigos, da vontade do falecido, não impediria, na prática, muitos transplantes, sc a lei estabelecesse um período muito curto para o efeito, e permitisse que as consultas se iniciassem no decurso da fase de observação para accertamento da morte.

3.2 — Para o conselheiro Messias Bento, o artigo 5.°, ou qualquer ouua norma do aludido diploma, não impõe aos médicos qualquer dever dc diligenciar o conhecimento de qualquer eventual oposição do falecido. É um regime laxista que nem sc preocupa em garantir, com um mínimo